Por Carlos Chagas
O mais grave nessa que parece a última crise política do finado ano de 2009 foi a explicação dada pelo presidente Lula ao ministro da Defesa e aos comandantes das três forças armadas: assinou sem ter lido o inteiro teor do decreto criando o Programa Nacional dos Direitos Humanos...
Tanto Nelson Jobim quanto o general Enzo Peri, o brigadeiro Juniti Saito e o almirante Julio Moura Neto entregaram carta de demissão, insurgindo-se contra o texto assinado pelo presidente da República a pedido dos ministros Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, e Tarso Genro, da Justiça. Pelo decreto, será criada uma comissão, no Congresso, encarregada de rever a Lei de Anistia, promovendo investigações e abrindo a possibilidade de punição criminal para agentes do poder público que se dedicaram a práticas de tortura durante o regime militar.
Os demissionários refluíram no propósito de deixar o governo, mas, no reverso da medalha, quem agora ameaça sair é o ministro dos Direitos Humanos.
Não fossem as festas de Natal e Ano Novo, bem como a volta do Lula a Brasília apenas dia 11, e a temperatura estaria em grau de ebulição. Parece óbvio que os comandantes militares não agiram isoladamente, mas consultaram os escalões abaixo de seus comandos. Solidarizando-se com eles, o ministro da Defesa assumiu o papel de portador da carta e interlocutor junto ao presidente. Há muito que Jobim defende o ponto de vista de haver a Lei de Anistia apagado o passado, valendo para os dois lados um dia empenhados na abominável ação da tortura, uns, e na tentativa de mudar o regime pela violência, atentados, furtos e até assassinatos, outros.
É claro que se os três comandantes se insurgem contra a abertura de processos será por reconhecerem excessos praticados por militares, no passado, mesmo sem terem tido a menor responsabilidade no acontecido. O problema é que a anistia, pelo Bom Direito, significa esquecimento. Rever a lei de tantos anos atrás, para eles, seria revanchismo, em especial quando o decreto presidencial não se refere à possibilidade de investigação e punição dos envolvidos em práticas terroristas, alguns até ministros de estado, hoje.
Em suma, para começar o ano, uma confusão dos diabos, deixando em aberto a questão principal: pode um governante assinar algum documento sem ler?