31 de agosto de 2017

De saída: Brasil faz última patrulha em favela da capital do Haiti


Militares brasileiros patrulham pela última vez a favela d Cité Soleil, no Haiti
Pela última vez, militares brasileiros patrulham em Cité Soleil (Danilo Verpa/Folhaopress)
FABIANO MAISONNAVE
DANILO VERPA
ENVIADOS ESPECIAIS A PORTO PRÍNCIPE
A um dia de encerrar oficialmente sua participação de 13 anos na Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti), militares brasileiros realizaram nesta quarta-feira (30) a "última patrulha" no país caribenho.
Tratou-se de um tour para jornalistas pela simbólica favela Cité Soleil, de cerca de 150 mil habitantes, onde o Brasil manteve base por dez anos. Em junho, entregou o prédio à Polícia Nacional Haitiana e, desde então, faz apenas incursões esporádicas.
Nesta quinta, a maior missão militar no exterior desde a Guerra do Paraguai (1864-70) termina com uma cerimônia em que as principais presenças serão o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o senador Fernando Collor de Melo (PTC-AL). Apenas outro parlamentar, a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), virá. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, não comparecerá. Não haverá nenhuma autoridade haitiana.
Apesar de Cité Soleil estar em período calmo, a Minustah a classifica como área de risco. Por isso, os repórteres, em jipes abertos, tiveram de usar coletes a prova de balas e os capacetes azuis.
Durante o percurso pelas ruas cheias de comércio e de lixo, os jornalistas puderam descer em dois momentos, quando interagiram com moradores dentro de um perímetro de segurança militar.
Com uma bandeira do Brasil no peito, um deles se aproximou identificando-se como "Fábio Jr.", apelido recebido após trabalhar como faxineiro no batalhão brasileiro.
Em português quase perfeito, Ravil Loubert, 22, disse que haverá problemas com o fim da missão. "Quando os brasileiros estavam aqui, eles me ajudavam com maçã e leite. Mas levantei agora e não passou nada na minha boca."
Desempregado e com um filho, pretende se mudar para o Brasil em novembro —seu irmão vive em Salvador. "Tem muitos [de Cité Soleil] morando no Brasil."
Nas ruas, a passagem dos brasileiros atraía gestos simpatia, mas a maioria parecia indiferente aos veículos da ONU. Alguns se irritavam.
Houve também hostilidade. Em inglês, um haitiano gritou "vão se foder! Saiam do meu país!". Num cruzamento, um caminhão bateu deliberadamente na lateral de um jipe, sem dano maior.
Outro jipe tinha uma grande bandeira do Brasil pendurada na lateral. Na véspera, o comandante da Minustah, general Ajax Porto Pinheiro, criticara a mesma atitude por parte de militares paraguaios, porque, a seu ver, ela quebrava a unidade da missão.
Até 15 de setembro, 85% dos 950 militares brasileiros no Haiti partirão. Os demais ficarão para despachar equipamentos. Em 15 de outubro, a Minustah será substituída por uma missão menor, que continuará a treinar a polícia e aprimorar a Justiça.
Na ultima patrulha do Brasil no Haiti, caminhão se choca de propósito contra jipe, em Porto Príncipe
Caminhão se choca de propósito contra jipe da Minustah (Danilo Verpa/Folhaopress)
LEGADO MISTO
Para o diretor de pesquisa da ONG Igarapé, Robert Muggah, a Minustah deixará um "legado misto" após gastos de US$ 7 bilhões desde 2014.
Por um lado, diz, a missão conteve a violência e a agitação política, além de ajudar na reconstrução após o terremoto de 2010, que matou 200 mil pessoas. "O Brasil teve papel crucial. Contribuiu com o maior contingente, e ofereceu ajuda vital no final de 2016, após o furacão Matthew", escreveu, por e-mail.
"[Mas] é difícil dizer que a intervenção da Minustah foi um sucesso. Os esforços da ONU foram manchados pelos incidentes de abuso sexual infantil por integrantes do Paquistão, do Sri Lanka e do Uruguai", afirmou. "A missão também foi criticada por iniciar a epidemia de cólera", disse, sobre a doença trazida por nepaleses que resultou em pelo menos 9.000 mortes.
FOLHA/montedo.com

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