Bruna Fantti
Imagem: CCOPAB |
O iG foi convidado a participar da quinta edição do curso, ministrado pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), localizado na Vila Militar, zona oeste do Rio, que congrega as três forças militares federais e prepara militares e civis para atuar em guerras.
O evento foi idealizado a partir da missão de paz da ONU no Haiti, chefiada pelo Exército Brasileiro. Além da simulação de diferentes situações em uma guerra, o curso também detalha a conduta que um repórter deve adotar ao seguir um policial militar em operações em favelas, com aulas diárias das 6h30 às 22h, e um pernoite obrigatório.
“Percebemos que os jornalistas ficavam um pouco perdidos quando tinham que seguir a tropa em situações que demandavam maior segurança. Além do treinamento para os profissionais da mídia, essa é uma oportunidade do Exército e das outras forças mostrarem o trabalho que desempenham”, afirmou o coronel do Exército Luis Fernando Baganha, comandante do CCOPAB.
Atualmente, o Brasil atua em 11 missões de paz da ONU distribuídas em países da América Latina, América Central, África e Oriente Médio. O CCOPAB, localizado na Vila Militar, na zona oeste do Rio de Janeiro, é o responsável pela preparação de militares e civis que serão enviados para essas missões.
A inclusão do trabalho em favelas aconteceu após a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos, em novembro de 2010, durante uma incursão policial.
Jornalista José Hamilton Ribeiro fala sobre sua experiência no Vietnã (Imagem: CCOPAB) |
“O erro dele foi ficar em um abrigo onde só cabia o policial. Ele deveria ficar do outro lado da rua, esperando o agente de segurança chamá-lo para progredir”, afirmou o tenente da PM Sérgio Vianna, instrutor da progressão em favela plana.
Domingos morreu após ser atingido por um tiro de fuzil que atravessou o colete à prova de balas que usava. Ele estava atrás de um policial que se abrigava atrás de um poste. Segundo o Exército, o colete que o cinegrafista usava não era o adequado. Desde a sua morte, o Exército passou a facilitar a aquisição do uso do colete número 3 para os jornalistas, tipo que protege de tiros de fuzil calibre 7.62 mm. Antes, o colete autorizado era o 2A, próprio para disparos de revólveres e pistolas.
Imagem: CCOPAB |
As aulas práticas incluíram combate a incêndio e conduta nessa situação, socorro de feridos em conflito, reconhecimento de um terreno com minas, procedimentos para o caso de acidente aéreo e a utilização de gás lacrimogêneo – cujos efeitos fizeram escorrer lágrimas dos olhos dos repórteres.
Após quatro dias de atividades teóricas mesclada com atividades, o quinto e último dia do Curso de Preparação para Jornalistas em Áreas de Conflito foi dedicado somente à prática e teve algumas surpresas.
Logo pela manhã, a chamada alvorada começou cedo, às 6h30, com um aula no Campos dos Afonsos, na zona oeste, onde a repórter aprendeu a embarcar e desembarcar em aeronaves sem o risco de perder a cabeça ou ser puxada pela hélice do helicóptero.
Foto: Marcelo Casal/EBC- Jornalistas jantam a ração para operações pouco antes do "sequestro" |
Nela, com o colete à prova de balas tipo 3, que suporta tiros de fuzil e pesa cerca de 4 quilos, os 31 jornalistas presentes correram pelos becos de edificações construídas em terreno plano. Aprendi a passar por janelas, a me esconder em postes e o que fazer quando o caminho se bifurcar.
Logo depois, fomos para o campo de Gericinó, área de treinamento militar,onde, com o colete, corri morro acima. Por cima, havia um colete com sensor eletrônico, que fala ao usuário quando ele é atingido por um tiro, a gravidade do ferimento e, se for o caso, a sua morte.
Com o barulho de muitos tiros de festim, progredi o morro com dois fotógrafos – Marcelo Casal, da EBC, e Ernesto Caniço, do O Dia. Após correr metade com sucesso, nossa equipe foi metralhada por um soldado que“ressuscitou” - voltou ao treinamento, após ser morto, sem avisar. Não tivesse sido isso, teríamos cumprido a missão de chegar ao cume “com vida”. O equipamento, com uma voz mórbida, repetiu incessantemente o recado que o curso pretende nos ajudar a evitar na vida real: “você está morto”.
Eram 19h, quando a comida, chamada “ração para operações”, foi servida. Um saco compacto de plástico traz a refeição do dia: arroz, feijão, salsicha e suco ficam guardados em envelopes que, ao serem imersos em um pó com água, é criada uma reação química que os aquece.
Aquele era um “banquete” e um descanso merecido para a repórter que já havia emagrecido cerca de dois quilos os treinamentos nas favelas plana e inclinada, carregando o colete pesado, sob um sol de 35°C, por cinco horas.
O cansaço fez com que a minha ingenuidade prevalecesse e acreditei no instrutor do curso, major Amilton Moleta, que convidou o grupo a caminhar por uma trilha no meio do mato para embarcar em viaturas que nos levariam para entrar à noite em uma favela real.
Teste psicológico
Na trilha, conversando relaxados e espantando os mosquitos, não percebemos quando um grupo de “traficantes” se aproximou e atirou para o alto. Sob gritos e xingamentos, todos os jornalistas foram rendidos e tiveram seus equipamentos e celulares roubados.
Algemados com os braços para trás e com um capuz que não permitia enxergar nada, fomos colocados em uma fila e direcionados para um local onde ocorria um baile funk.
Lá, a jornalista teve o seu emocional testado em uma casa. Além de escutar os chamados proibidões do funk no último volume, mesmo sabendo que se tratava de uma simulação, não foi fácil suportar os xingamentos e a ameaça constante de uma dopação com drogas que seria seguida de estupro.
Tudo isso, suportando o peso do colete, em pé, com o rosto colado na parede. Meus colegas de “cativeiro” eram os jornalistas Tasso Marcelo e Antônio Pita, do Estado de S.Paulo, que além de também manterem a calma, me confortaram. Em nenhum momento da suposta tortura, a dignidade dos presentes foi violada e toda a simulação foi acompanhada do comandante do CCOPAB, coronel Baganha, que, de tempos em tempos, nos perguntava se estava tudo bem.
Confesso que pedi o chamado “arrego” e que a touca fosse retirada da boca para poder respirar melhor. Não fui a única.
Após duas horas em pé, fui levada individualmente ao encontro do “chefe da favela”. Lá fui interrogada sentada em uma cadeira, olhando para o chão, e tive a ameaça da minha orelha ser cortada com um facão. Consegui convencer o traficante a ligar para o chefe da redação, Jackson Bezerra, e falar sobre a minha situação. Enquanto eles se decidiam, fui levada de volta para o quarto onde estava.
O fotógrafo Tasso Marcelo, que já foi paraquedista, conseguiu se soltar das algemas e protagonizou a cena hilária do sequestro: pulou pela janela, de barriga, e saiu se arrastando no meio do mato. Ao mesmo tempo, a polícia chegou e nos salvou.
“Infelizmente, a maioria mentiu para o chefe da favela no interrogatório, não criou empatia, e seria morta. Mas, todos se comportaram nos primeiros 45 minutos do seqüestro e mantiveram a calma. Isso é importante, pois é nesse tempo que o seqüestrador está mais tenso e decidindo o que fazer”, afirmou Moleta.
Enfim, já era quase meia-noite quando nos foi servido um cachorro-quente e fomos dormir, com a esperança de que aquela era a última surpresa do dia.
Informações sobre o curso:
A próxima edição do treinamento está prevista para julho ou agosto deste ano. A seleção será feita pela redação onde o jornalista trabalha que deverá enviar um email para a Comunicação Social do Exército em Brasília, solicitando as vagas, em ordem de prioridade.
Freelancers também deverão fazer o mesmo procedimento, mas as vagas são limitadas.
O curso é gratuito, há alojamento e alimentação no local e transporte para o aeroporto.
Os contatos da comunicação do Exército são: (61) 3415-6063 ou 3415-5711 Fax: (61) 3415-5619. Email:imprensa@exercito.gov.br
iG/montedo.com