19 de setembro de 2017

Conversa golpista de general tem repercussão zero nas Forças Armadas. E a questão da punição

Antonio Hamilton Mourão deve achar que nome é destino e que todo “Mourão” tem de ser golpista. A melhor punição para ele? Ora, a irrelevância
Os generais Mourão e Villas Boas: golpismo bolorento em contraste com Estado de Direito
Reinaldo Azevedo
Os generais Mourão e Villas Boas: golpismo bolorento em contraste com Estado de Direito
O general Antonio Hamilton Mourão, que é secretário de economia e finanças do Exército, defendeu, sim, um golpe militar na última sexta, em Brasília, durante palestra promovida pela maçonaria. O homem deve achar que nome é destino e que todo Mourão que veste farda tem de ser golpista. Trata-se, com a devida vênia, de mais uma provocação boboca de quem está a seis meses de passar para a reserva. Está tentando criar onda.
Depois de ouvir uma pergunta notavelmente boçal, lida pelo apresentador do evento, ele deu resposta à altura — ou à baixura. NOTA: O sujeito que formulou a questão conta uma mentira. A Constituição não admite intervenção militar. O Artigo 142 permite que as Forças Armadas atuem de forma subsidiária na segurança pública quando isso é solicitado por um dos Poderes. É o caso de defender uma punição? Já chego lá. Antes, vamos à pergunta e à resposta.

PERGUNTA
[apresentador lê um papel com a pergunta] “A Constituição Federal de 88 admite uma intervenção constitucional com o emprego das Forças Armadas. Os poderes Executivos [sic] e os Legislativos estão podres, cheio de corruptos, não seria o momento dessa interrupção, [corrigindo] dessa intervenção, quando o presidente da República está sendo denunciado pela segunda vez e só escapou da primeira denúncia por ter ‘comprado’, entre aspas, membros da Câmara Federal? Observação: fechamento do Congresso, com convocações gerais em 90 dias, sem a participação dos parlamentares envolvidos em qualquer investigação. Gente nova.”

RESPOSTA
Excelente pergunta. Primeira coisa, o nosso comandante, desde o começo da crise, ele definiu um tripé pra atuação do Exército. Então eu estou falando aqui da forma como o Exército pensa. Ele se baseou, número um, na legalidade, número dois, na legitimidade que é dada pela característica da instituição e pelo reconhecimento que a instituição tem perante a sociedade. E número três, não ser o Exército um fator de instabilidade, ele manter a estabilidade do país. É óbvio, né?, que quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘Pô, por que que não vamo derrubar esse troço todo?’ Na minha visão, aí a minha visão que coincide com os meus companheiros do Alto Comando do Exército, nós estamos numa situação daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmos, ‘aproximações sucessivas’. Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso. Agora, qual é o momento para isso? Não existe fórmula de bolo. Nós temos uma terminologia militar que se chama ‘o Cabral’. Uma vez que Cabral descobriu o Brasil, quem segue o Cabral descobrirá alguma coisa. Então não tem Cabral, não existe Cabral de revolução, não existe Cabral de intervenção. Nós temos planejamentos, muito bem feitos. Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí. E a minha geração, e isso é uma coisa que os senhores e as senhoras têm que ter consciência, ela é marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu, de forma covarde, de forma não coerente com os fatos que ocorreram no período de 64 a 85. E isso marcou a geração. A geração é marcada por isso. E existem companheiros que até hoje dizem assim, ‘poxa, nós buscamos a fazer o melhor e levamos pedradas de todas as formas’. Mas, por outro lado, quando a gente olha o juramento que nós fizemos, o nosso compromisso é com a nação, é com a pátria, independente de sermos aplaudidos ou não. O que interessa é termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos de qualquer maneira atingir esse objetivo. Então, se tiver que haver, haverá. Mas hoje nós consideramos que as aproximações sucessivas terão que ser feitas. Essa é a realidade.

Retomo
Começo pelo nome. O general que desfechou a ação número um do golpe propriamente de 1964 foi Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Juiz de Fora, que deslocou uma tropa de seis mil homens para o Rio, com a missão de prender João Goulart. O governo não conseguiu reagir nem militar nem politicamente. O resto é história de longos anos.
Seria o caso de punir o Mourão de agora? Em outro contexto, a minha resposta seria “sim”. Palavras fazem sentido. E as dele justificam o golpe militar, que, claro!, ele dá a entender, teria apenas uma função saneadora. Também o movimento de 1964 foi desfechado para que o poder fosse rapidamente devolvido aos civis. Lembro: sim, o combate ao comunismo era um pilar importante da ação militar de 1964, mas não menos o combate à corrupção. Esta, aliás, motivou as primeiras punições. A conversa golpista é a de sempre: ninguém quer reconhecer que está pondo o argumento da força em lugar da força do argumento. Notem o esforço do general para se mostrar apenas um defensor da retidão moral.
O presidente Temer precisa agora do que seria um ligeiro estresse no Exército — porque seria não mais do que isso? A resposta é “não”. Assim, talvez decidam deixar a coisa pra lá. Mas vocês precisam saber de uma coisa: Mourão redivivo seria malsucedido desta vez porque, na Força, à diferença do que ele diz, ninguém fala como ele. Muito pelo contrário. A cúpula do Exército — na verdade, das Forças Armadas —, a esmagadora maioria dos seus oficiais e praticamente a totalidade dos soldados são legalistas. Nem sequer flertam com a possibilidade de uma intervenção.
O Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, é um homem notavelmente preparado, culto, lhano no trato, enérgico. E tem o comando da tropa. São suas estas palavras, publicadas numa rede social: “A Constituição Federal Brasileira há de ser sempre solução a todos os desafios institucionais do país. Não há atalhos fora dela!”.
E ponto final!

Ânimo para a provocação
Não é a primeira vez que o general Antonio Hamilton Mourão costeia o alambrado do golpe. Há dois anos, em outubro de 2015, ele foi punido por Villas Bôas em razão de declarações muito parecidas dadas havia pouco mais de um mês então. Falando a oficiais da reserva, na condição de comandante militar do Sul, pregou o “despertar da luta patriótica”. Fez críticas indiretas a Dilma Rousseff, que estava na Presidência, mas alertou que a simples substituição da titular do Executivo não traria “mudança significativa no ‘statu quo’ e que “a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”.
A extrema direita resolveu babar de ódio contra o Villas Bôas, mas o fato é que o comandante do Exército, com correção, destituiu Mourão da função de comandante de tropa e o colocou num cargo burocrático. Agora, o general volta com sua conversa torta. Não é ingênuo. Sabe ser uma provocação. Há dois anos, a punição não gerou a solidariedade de ninguém. Duvido que gerasse agora. Mas pergunto: por que dar a este senhor um palanque?
Acho que a melhor punição é deixar claro que fala sozinho e que seu discurso não encontra eco nas Forças Armadas. Mais seis meses, estará fora dos quadros ativos da Forças Armadas.
Encerro lembrando que falas assim só vêm a público em razão da marcha da insensatez a que se dedicam algumas vozes que deveriam se pautar pela moralidade e pelas leis.
Não, o Mourão da hora, desta feita, fala a fantasmas que podem até nos assombrar um tanto. Mas fantasmas são e fantasmas continuarão.
Simplesmente não existem.

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