8 de janeiro de 2014

O pedágio e o embate do general com o cacique

Confira a íntegra da discussão que surpreendeu a comitiva de militares e autoridades que viajou para a reserva indígena Tenharim Marmelos em Humaitá
O cacique Aurélio Tenharim e o general Villas Bôas (à direita na foto)Larissa Matarésio/G1
José Maria Tomazela, especial para o Estado - O Estado de S. Paulo
HUMAITÁ (AM) - O debate do general Eduardo Villas Bôas, comandante militar da Amazônia, com o cacique Aurélio Tenharim surpreendeu a comitiva de militares e autoridades que viajou até a reserva indígena Tenharim Marmelos, segunda-feira (7), em Humaitá, sul do Amazonas. O grupo, integrado também pelo general Ubiratan Poty, da 17ª Brigada de Porto Velho, viajou para negociar com os índios a pacificação - e pedir o fim do pedágio na Transamazônica, uma das causas do conflito, além do desaparecimento de três homens na rodovia, ainda não esclarecido. O embate mostrou, de um lado, a capacidade de negociador do general e, do outro, a riqueza de argumentos do índio na defesa de uma atividade, até agora, ilegal.

GENERAL - Conheço a história do povo tenharim. O povo de vocês vive numa área em que sofreram com a construção de rodovias, muito rica em minério, tem garimpo de ouro, diamante e cassiterita, e não há duvida do sofrimento que esse processo trouxe para o povo tenharim. Mas a questão é a seguinte: a cobrança do pedágio não vai resgatar isso, nem trazer de volta as crianças que morreram.
Acho que o pedágio, se continuar como está, vai sim continuar colocando em risco as crianças e o seu povo. Não digo que não merecem a compensação, mas isso terá de ser feito de acordo com a lei e o pedágio não está de acordo com a lei. É uma rodovia federal e é garantia das pessoas que trafegam nela.
Acho que para a gente pacificar aqui é importante parar com a cobrança. Sabemos que o pedágio é importante para vocês, talvez a única renda que vocês têm aqui. Talvez pudéssemos desenvolver atividades produtivas para vocês terem outra fonte de renda. Vamos discutir para que a gente possa levar essas idéias para Brasília. Acho importante que vocês tenham essa motivação: vamos parar com o pedágio e levantar outros projetos para dar sustentação às comunidades. Só assim a gente vai pacificar. Sei que é uma questão sensível, mas peço que pensem nisso.

CACIQUE - A gente não fala de pedágio, fala de cobrança de compensação. Ela nunca vai pagar a dívida. Nós éramos 30 mil tenharins, hoje somos 800. Os jeahoy foram quase extintos. Claro que o povo tenharim tem deixado aberto para negociar com os governantes. Esperamos quatro anos para sentar na mesa de negociação, mas nenhum órgão se manifestou. Ninguém levou a sério essa cobrança de compensação da parte do governo.
A Transamazônica tem história de massacre, de estupro de nossas índias, escravos, violação de direitos. Quem vai pagar isso? Essa compensação não está só na fala, está no Ministério Público Federal que tem esse relatório detalhadamente. As autoridades aqui presentes precisam ver o relatório levantado por antropólogos e biólogos.
O governo não teve diálogo com a gente e agora vem com a Polícia Federal, então abrimos o diálogo, mas o pedágio continua. O povo tenharim e o povo jiahoy já decretaram que o pedágio vai continuar independente de algumas pessoas estarem descontentes. O senhor veio aqui, general, é nós abrimos o diálogo, mas enquanto isso vai ter cobrança.
Já temos até a data, dia 10 começa a reconstrução da casinha e dia 1º de fevereiro vai continuar o pedágio. Quero dizer para as crianças que é seu meio de trazer economia. Acho que a população dos municípios e as autoridades não conseguiram analisar na parte da economia. Se o pedágio está irregular, a lei também não proíbe a cobrança. Faço comparação: uma vez eu cheguei numa festa de rodeio e tinha um monte de lanterninha, encosta aqui, aí falei, quanto paga: dez reais. Tem legalidade? Não tem. Uma vez cortou a estrada e passamos por uma fazenda, e sabe quanto o fazendeiro cobrou? 50 reais. É legal?
A cobrança de compensação ajudou crescer Santo Antonio de Matupi, pois comprávamos roupas. O índio pega o ônibus, paga a passagem, são 25 reais. Tem a Luz para Todos, a gente achava que ia pagar só uma taxa, mas é conforme o uso. Tem família que paga 150. A saúde, o governo oferece atenção básica, mas exame de média e alta complexidade o governo não oferece e o índio paga. A cobrança de compensação vai lá e cobre.
Será que o governo brasileiro, a presidenta Dilma, daria essas condições? Não dá. Quero dizer para todas as autoridades que fizemos proposta, mas o governo não respondeu. Nós acreditamos em todas as autoridades aqui presentes, mas cadê o executivo aqui? Está o general, está o procurador, mas cadê representante do governo aqui? Não tem.
Nós agradecemos pela sensibilidade que vocês tiveram de chegar até aqui, mas convida o governo para vir resolver as questões práticas aqui. Leva essa mensagem pra Dilma, estamos prontos para dialogar. Mandamos os documentos, mas cadê a resposta?
Realmente, o usuário da Transamazônica é inocente, a gente está ciente disso, mas infelizmente, temos que chamar a atenção do governo. Nós somos pacíficos, queremos diálogo com o governo. General, essas crianças que estão aí, como é que vamos garantir a vida delas? O governo não oferece nenhum projeto. O indigenismo está defasado, combatido pelo ruralista. Espero que Deus mande a cada um de vocês inteligência e sabedoria para dialogar com a gente. Somos um povo indígena que ninguém olha por mós. A sociedade está olhando para nós como bandidos e assassinos. Vocês sentiram algum clima ruim aqui no nosso meio? É isso que nos somos. Obrigado, que Deus abençoe.
ESTADÃO/montedo.com

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