Ricardo Montedo
Dia desses, numa loja de eletrodomésticos, assisti a uma cena que deve repetir-se aos milhares Brasil afora e me fez revisar alguns dos conceitos que tenho sobre a natureza tupiniquim.
Estava no balcão de empacotamento. A meu lado, na fila do caixa, uma senhora de aparência muito humilde. Lenço amarrado no cabelo, vestido modesto, antigo e desbotado, sandálias gastas. Vou chamá-la de Dona Maria.
Quando chegou sua vez, estendeu um carnê à moça que a atendia e foi logo dizendo:
- Oia, eu queria mesmo era pagá tudo, sabe! Terminá essa conta!
- É? Respondeu a indiferente funcionária.
- Mas a minha filha tá viajando, pode precisá de dinheiro!
- Haaannn!
- Daí, eu vô pagá só a prestação do meis.
- ...
- Deus me livre, ficá com o nome sujo!
Tirou de um saco plástico, que usava como carteira, algumas poucas notas de baixo valor. Pagou a prestação e, já saindo, não esqueceu de agradecer à caixa:
- Brigada, viu minha filha! Até o meis que vem, tô tranquila.
E lá se foi Dona Maria, retornando ao anonimato das ruas, passos miúdos e firmes, percorrendo o carpete gasto como se fora um tapete vermelho, cabeça erguida, exibindo, no sorriso desdentado, seu orgulho por ser uma pessoa com o “nome limpo”.
Atitudes como essas abalam minha antiga convicção de que os governantes de um país são nada mais que um extrato da média de seus cidadãos, ou seja, de que o padrão (?) moral e ético ostentado por nossos políticos corresponde, em grande medida, ao de seus eleitores.
Confesso que Dona Maria fez minha convicção balançar. Afinal, não consigo imaginá-la trocando seu voto pela quitação do carnê ou por uma dentadura nova.
Fosse ela política, algo me diz que não aceitaria propina de empreiteiros ou faria promessas mirabolantes para se eleger. Creio que uma pessoa tão pressurosa por um “nome limpo” há de ter satisfação em olhar-se no espelho sem envergonhar-se do que vê.
Então, por que Dona Maria, como a imensa maioria dos brasileiros, ajuda a eleger representantes tão desqualificados? Por que temos essa corja dirigindo o País?
Arrisco-me a responder dizendo que Dona Maria e grande parte de seus compatriotas não quer saber “desse negócio” de política. Acha muito complicado, coisa para... os políticos!
Dona Maria deve achar “muito lindo” quando um candidato entra em sua casa, a abraça, chama-a de “minha princesa”, pega seu neto no colo e o beija.
Seu coração puro destina a ele seu precioso voto, sem desconfiar que, mal dobra a esquina, o político já está a desinfetar-se freneticamente com álcool.
E aquela candidata à vereadora tão querida, que conseguiu uma requisição para o cardiologista?
O voto e a eterna gratidão de Dona Maria foram para ela, sem suspeitar da ação do maridão da outra, secretário de saúde e detentor da “chave do cofre”, ou melhor, das autorizações de consulta.
Como Dona Maria não iria se emocionar com as lágrimas de José Roberto Arruda, jurando pelos filhos que não violou o painel do Senado?
Dona Maria é o Brasil que presta! O Brasil para quem ter o “nome limpo” é questão de honra! De vergonha na cara!
Infelizmente, é quem elege o Brasil que não presta, não por coincidência, o Brasil que governa. Afinal, honra e vergonha na cara é para os otários, os manés, os “certinhos”, como Dona Maria, você e eu.
Para os “espertos”, as benesses do poder e do dinheiro público e a aposta na memória curta do eleitorado.
Para os cidadãos de bem, os impostos, a ingenuidade, a decepção, a revolta e o esquecimento, bem antes da próxima eleição.