24 de janeiro de 2018

General brasileiro cria plano para evitar mortes de militares da ONU em missões de paz

General Carlos Alberto dos Santos Cruz, secretário nacional de Segurança Pública
General Carlos Alberto dos Santos Cruz, secretário nacional de Segurança Pública (Agência Brasil)
Luis Kawaguti
Do UOL, em São Paulo
O general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-comandante das missões de paz da ONU no Haiti e na República Democrática do Congo, foi encarregado pelo organismo para criar um plano internacional com o objetivo de diminuir o número de mortes de militares em ação.
Santos Cruz disse ao UOL que essas recomendações podem ser úteis para o Brasil se o país aceitar um pedido feito pela ONU para enviar 750 militares antes do mês de maio para a Minusca, a missão de paz da ONU na República Centro-Africana.
O plano do general é baseado em uma análise de baixas em combate de soldados das Nações Unidas. As mortes de capacetes azuis, como são apelidados os soldados da ONU, vêm crescendo desde 2011. Nos últimos cinco anos foram registradas 195 mortes – que equivalem a 20% de todas as 943 baixas em combate registradas pelo organismo desde o início das missões de paz em 1948.  
Ou seja, o estudo produzido por Santos Cruz aponta para uma mudança no modelo tradicional de missões de paz.
"As características das missões mudaram. No passado você tinha exércitos em conflito em um país. Eles tinham regras. Hoje há governos lutando contra rebeldes que não seguem princípios, onde só a violência é a linguagem", disse. 
"A ONU precisa se adaptar", afirmou. 
Militares de Camarões na vila de Bedaya, na República Centro-Africana.(CHARLES BOUESSEL / AFP)
As Nações Unidas já haviam registrado grande número de mortes de capacetes azuis entre 1960 e 1962, durante a crise de Suez e os conflitos de independência do Congo e entre 1992 e 1996 – período em que ocorreram o genocídio em Ruanda e missões de paz nos Bálcãs, na Somália e no Camboja.
Mas nesses dois períodos as altas nas mortes foram consideradas picos esporádicos. A elevação atual preocupa a comunidade internacional por estar se mostrando um processo constante.
Para tentar reverter a tendência, o secretário-geral da ONU António Guterres pediu que uma equipe chefiada pelo general fizesse um estudo propondo ações de resposta.

Perfil do general
Santos Cruz era o comandante da missão de paz no Haiti em 2007, o ano em que as forças das Nações Unidas subjugaram os grupos paramilitares que dominavam uma pare considerável da capital Porto Príncipe.
Em 2013, ele liderou a Brigada de Intervenção da ONU que, ao lado do exército congolês, venceu o movimento rebelde M23 – que na época era a maior milícia armada da República Democrática do Congo.
Atualmente, Santos Cruz está na reserva do Exército e exerce o cargo de Secretário Nacional de Segurança Pública do Brasil, vinculado ao Ministério da Justiça e responsável pela Força Nacional. Ele comandou o estudo e a elaboração de um plano para a ONU em caráter excepcional, com o aval do governo brasileiro.
Ele foi auxiliado pelo coronel da reserva do Exército dos Estados Unidos William Phillips, que serviu sob a bandeira da ONU no Mali e Salvator Cusimano, do departamento de Missões de Paz da ONU.
A equipe entrevistou 160 autoridades e militares em visitas a missões de paz em curso atualmente na África.
O estudo apontou que se a ONU não mudar sua forma de pensar as missões de paz e não começar a aceitar os desafios dos conflitos modernos, mais soldados serão colocados em perigo.
As soluções propostas vão desde a aquisição de equipamentos como blindados mais resistentes e fuzis de precisão a sugestões de mudanças na cadeia de comando.
A ideia geral é que as tropas no terreno abandonem uma atitude passiva e passem a agir -- se necessário usando a força -- para resolver de forma objetiva as ameaças de segurança.

Confira abaixo alguns pontos abordados pelo relatório: 
Objetivos claros
O estudo da equipe descobriu que cerca de 90% da capacidade militar das missões de paz da ONU costuma ficar voltada para atividades como autoproteção e escolta de comboios.
Isso geralmente é resultado do fato de muitas missões terem a pretensão de cobrir todo o território do país auxiliado com tropas da ONU, mesmo em áreas onde elas não são necessárias.
Segundo Santos Cruz e sua equipe, em vez de ter uma presença nacional (mais relacionada ao comportamento esperado de um exército local), a ONU deve se focar em problemas de segurança específicos, concentrando suas forças para neutralizar ameaças já identificadas.  

Liderança
O grupo identificou problemas com liderança nas missões de paz, incluindo no comportamento político de órgãos da ONU – que às vezes esperam que as mortes parem sozinhas ao invés de procurar soluções ativas. Isso seria um sinal de que as Nações Unidas ainda não se adaptaram
completamente a ambientes hostis modernos.

Falta de ação
As Nações Unidas são atacadas principalmente devido à falta de ação, de acordo com as descobertas da equipe liderada pelo general brasileiro. Ou seja, as tropas internacionais tendem a ficar a maior parte do tempo em suas bases ou protegendo comboios necessários às linhas de suprimento. Isso dá aos seus oponentes a vantagem de sempre tomar a iniciativa do combate. Essa relação teria que ser invertida, como os capacetes azuis entrando em áreas dominadas por rebeldes ou extremistas para capturá-los.
Para a equipe, as ações militares têm que se basear menos em procedimentos padrão e mais em avaliações de riscos específicos de cada realidade. Assim, regras de engajamento da ONU em combate devem ser usadas para dar apoio à ação e não para justificar a falta de ação.
Militares da ONU na cidade de Bria, na República Centro-Africana(SABER JENDOUBI / AFP)
Bases da ONU
Segundo o plano, militares não devem proteger apenas as suas bases, eles devem criar zonas seguras em uma região ampla ao redor de suas instalações – protegendo também estradas, campos de refugiados e comunidades próximas às suas instalações.
Para que isso ocorra, elas devem começar a fazer patrulhas e estabelecer bases temporárias nessas regiões para evitar a circulação livre de rebeldes.
Segundo a equipe do general, os militares também devem preferir operações de combate no período noturno – para terem vantagem sobre seus oponentes usando equipamentos de visão noturna.

Qualidade das tropas e equipamentos
O general e sua equipe perceberam que algumas tropas enviadas por países da ONU para missões de paz não estão devidamente preparadas e por isso se tornam alvos fáceis para forças rebeldes ou extremistas.
Em geral, as Nações Unidas dependem da boa vontade de seus membros para receber contingentes militares e formar as equipes das missões de paz. Esse processo por vezes é complicado e demorado.
Mas, segundo o estudo, a ONU deve ser mais rigorosa ao aceitar tropas: somente militares bem treinados e com equipamentos em bom estado devem ser autorizados a participar das missões de paz.
Além disso, os militares devem receber treinamento constante durante as missões e ter à sua disposição equipamentos específicos, como blindados que resistem a armadilhas com explosivos improvisados e fuzis de precisão para atiradores de elite.

Inteligência
O general e sua equipe defenderam no estudo o uso da chamada inteligência tática. Ou seja, criar redes de informantes e usar equipamentos de monitoramento – como drones e câmeras de vigilância – para embasar das ações de combate dos militares. Esse tipo de atividade não era comum nas missões de paz clássicas da ONU.

Impunidade
Segundo o estudo, uma vez atacadas, as forças da ONU não podem adotar uma atitude passiva. Elas devem tentar identificar os agressores, capturá-los e levá-los à Justiça. "Quando as Nações Unidas deixam criminosos usufruir da impunidade após ataques, eles tendem a ver a organização como fraca e atacar de novo", diz o estudo.
Essas e outras medidas sugeridas no plano podem, segundo Santos Cruz, ajudar a reduzir os riscos a que são submetidos os capacetes azuis.
O Congresso brasileiro deve decidir em breve se mandará ou não um contingente nacional para ajudar as forças da ONU a evitarem massacres de civis por ao menos 14 grupos rebeldes que atuam na República Centro-Africana.
A questão é vista por seus críticos como desperdício de recursos (estima-se em R$ 400 milhões o custo inicial) e um projeto muito perigoso que pode resultar em mortes de militares.
Já seus defensores dizem que além de oferecer ajuda a uma nação à beira do colapso, o Brasil ganhará uma influência internacional ímpar e terá oportunidade de aperfeiçoar a qualidade de suas Forças Armadas de situação de combate real. Santos Cruz afirma que todos os riscos e oportunidades devem ser bem avaliados antes da tomada de decisão de enviar ou não as tropas.
UOL/montedo.com

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