17 de fevereiro de 2018

Não basta polícia no RJ, liderança política é fundamental, diz o general Santos Cruz

Não basta polícia no RJ, liderança política é fundamental, diz Secretário Nacional de Segurança
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General Santos Cruz é o Secretário Nacional de Segurança Pública
(Givaldo Barbosa/O Globo)
Luis Kawaguti
Do UOL, em Brasília
Para o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, Secretário Nacional de Segurança Pública, a intervenção federal no Rio de Janeiro deve vir acompanhada de uma mudança de atitude.
Santos Cruz recebeu a reportagem do UOL nesta sexta-feira (16) em Brasília, mesmo dia em que o presidente Michel Temer (MDB) determinou via decreto que o general Walter Braga Netto comandará as forças de segurança do Estado até o dia 31 de dezembro.
Na avaliação do Secretário, as forças de segurança, isoladamente, não serão capazes de reverter a crise no Estado. Para Santos Cruz, será preciso ter lideranças políticas fortes que façam uma boa administração e mobilizem também o Judiciário e o Ministério Público para resolver a crise.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública é um órgão do Ministério da Justiça que, entre outras tarefas, define estratégias e políticas federais de segurança e integra as forças policiais dos Estados.
Santos Cruz está à frente da pasta há 10 meses. Antes disso ocupou posições importantes no Exército no Brasil e comandou duas missões de paz da ONU.
Ele estava no comando da missão de paz no Haiti quando as forças da ONU debelaram os rebeldes que ainda controlavam territórios em Porto Príncipe, em 2007. Seis anos depois, liderou as forças da ONU na campanha militar que, ao lado do Exército da República Democrática do Congo, na África, venceu o movimento rebelde M23 e outros grupos paramilitares.
Ele também é consultor da ONU, para quem fez um estudo para reduzir a mortalidade de soldados. Neste mês, entregou ao governo Temer uma série de propostas para a elaboração da Política Nacional de Segurança Pública, que é a base de um futuro Plano Nacional de Segurança Pública do Brasil.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
UOL - Como o senhor vê essa proposta de intervenção no Rio de Janeiro?
General Carlos Alberto dos Santos Cruz - Essa intervenção não é uma intervenção no Estado do Rio de Janeiro como um todo, é uma intervenção só nos componentes da Segurança Pública: Polícia Civil, Polícia Militar, perícia. Então é uma intervenção parcial para um problema que é muito amplo no Rio de Janeiro.
Então tem que se analisar para ver se vai ter o efeito esperado, tendo em vista que ela está caracterizada como sendo apenas em uma parte do todo.

UOL - Na prática, o que pode acontecer de diferente de outras ações do passado? Pode haver ações mais ativas das Forças Armadas?
Santos Cruz - Com intervenção ou sem intervenção, tudo depende de como atuar no problema. Não é simplesmente porque decretou intervenção que você vai ter uma mudança de situação. A mudança de situação vai vir de uma mudança de
postura. 

UOL - Que mudanças precisam ser feitas no Rio de Janeiro?
Santos Cruz – Eu vejo que uma situação que se deteriorou a esse ponto... Essa deterioração vem de um longo tempo. Então você tem uma fraqueza em vários pilares institucionais e esse reforço tem que ser feito em todas as áreas. Você não pode achar que só com o componente policial você vai reverter a situação em que se encontra, não só no Estado do Rio, mas alguns outros também.
Então quando a gente fala do componente policial, militar e de força armada, nós estamos falando de um dos componentes da segurança pública. Normalmente se entende como segurança pública como a polícia e agora, apoiada ou apoiando, a força armada. E não é. A segurança pública é muito mais do que isso.
Você tem que ter também modificações na área político-administrativa, onde infelizmente em alguns locais, como no caso do Rio, um caso muito específico também, o princípio da autoridade foi destruído. No momento em que você tem exgovernadores presos ou liberados por decisão judicial, respondendo processo, etc.
No momento em que você tem pessoas da Assembleia Legislativa, de expressão, ou presos ou respondendo processos, onde você tem pessoas do Tribunal de Contas, tudo isso daí colabora para uma destruição do princípio da autoridade, então a população fica extremamente insegura, as instituições ficam todas inseguras, porque na sociedade o governo é fundamental para dar uma estabilidade social.
Então toda essa desestruturação ao longo de muito tempo levou a uma situação caótica. E nessa situação caótica, você tem que atuar em todas essas áreas. Têm que aparecer lideranças que levantem a voz e mobilizem a vontade da população, motivem as polícias, façam boa administração, deem exemplo administrativo, mobilizem também as ações do Judiciário, do Ministério Público. Então tem que haver uma liderança para catalisar todos esses componentes sociais e a população.

UOL- Só esperando as próximas eleições para ter isso?
Santos Cruz - Acredito que essa necessidade vai ser a motivação da população no processo eleitoral. A população vai se mover pela necessidade premente que ela tem hoje de ter mais confiança, de se sentir mais segura.

UOL - Qual a relação da criminalidade no Estado com o criminoso que está com o fuzil numa favela?
Santos Cruz - Para chegar num nível desses de crime e de liberdade para o crime, de você ver todo dia em filmagens de Whatsapp e de Facebook bandidos armados, 30, 40 bandidos, sem nenhum cuidado nem de proteger o rosto, transmitindo visivelmente a sensação de impunidade que eles têm, é porque você teve uma deterioração que pegou todos os campos da vida social.
Essa liberdade tem que ser contida. O elemento criminoso tem que saber que a polícia, ou no caso a força armada no caso de GLO (operação de Garantia da Lei e da Ordem) ou intervenção representa a lei, representa a sociedade, representa as leis que a sociedade decidiu viver, então não pode dar essa liberdade para os grupos criminosos. Agora, infelizmente, você tem essa situação ao longo de muitos anos, chegou nesse ponto, porque se não tem associação, ao menos tem um efeito muito consequente entre a corrupção e o crime.

UOL - O senhor fez recentemente um plano para a ONU sobre como aumentar a segurança dos militares nas missões de paz. O sr. vê elementos que podem ser usados no Rio ou em outras realidades brasileiras ou é uma conjuntura diferente? Recentemente um suspeito foi filmado com um fuzil perto de um quartel da Marinha no Rio. O senhor fala no seu plano que para a ONU a segurança não deve ficar dentro dos muros das bases, ela tem que extrapolar, ir atrás das ameaças, não ficar numa postura defensiva. O senhor vê algum paralelo com a questão de segurança pública no Rio ou no Brasil?
Santos Cruz - Na parte de força é exatamente a mesma coisa, é iniciativa. A força regular que representa a lei tem que ter iniciativa, ela tem que estar motivada.

UOL - Poderia acontecer cena dessas de um militar num quartel ver uma pessoa com um fuzil na rua... O quartel poderia irradiar segurança?
Santos Cruz - Sem dúvida nenhuma, isso é inadmissível. É inadmissível um criminoso portar uma arma de guerra, onde na legislação internacional ele perde o status de civil. Isso é inadmissível, seja na frente de um quartel, seja na frente da polícia, seja na frente de qualquer comunidade. Não é porque está na frente de quartel, na frente de qualquer sociedade, no âmbito do bairro dele isso é
inadmissível.

UOL - Então as forças de segurança têm que tomar uma atitude mais ativa?
Santos Cruz - Não só as forças de segurança. Forças de segurança, o governo, Ministério Público, a Justiça, todos têm que tomar uma postura muito mais ativa para não dar essa ideia de impunidade ou de liberdade para o criminoso.

UOL - A postura mais ativa pode significar uma postura mais robusta de ir atrás da ameaça ao invés de esperar a ameaça chegar?
Santos Cruz - Sem dúvida nenhuma, é fundamental que a iniciativa esteja com as forças legais. Que a iniciativa seja do Estado.

UOL - Não pode trazer efeitos colaterais (mortes de civis)?
Santos Cruz - O treinamento, a inteligência, o bom treinamento, o bom equipamento ele diminui muito o dano colateral. Você tem dano colateral porque você não tem o equipamento certo, você não tem a informação certa, você não tem o treinamento correto às vezes, então com um bom equipamento, com um bom treinamento você diminui muito a possibilidade do dano colateral. Uma boa orientação da população, tudo isso você reduz muito o dano colateral. E não tem problema de legislação, a legislação ampara as ações do Estado.
UOL/montedo.com

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