6 de dezembro de 2010

OS PARENTES DOS HERÓIS MORTOS NO HAITI PRECISAM DE AJUDA PARA VENCER OS VIGARISTAS

Todos vinculados ao texto publicado sob o título O governo que festeja os soldados da hora humilha com o calote as famílias dos 18 heróis brasileiros mortos no Haiti, foram três comentários em 14 minutos. Mais que comentários, foram três recados ao Brasil que presta em menos de um quarto de hora. Ou mais que isso: cada uma limitada a três frases, as mensagens enviadas por Cely Zanin são três provas contundentes de que o país atingiu um adiantado estado de decomposição moral.
Viúva do coronel João Elizeu Souza Zanin, morto no desabamento do quartel-general da ONU em Porto Príncipe, Cely é uma das brasileiras duplamente castigadas pelo terremoto no Haiti: depois de perder o marido, vai perdendo a confiança na palavra do presidente da República, que não cumpriu o combinado há 11 meses. Aos 43 anos, mãe de um filho de 18 e outro de 17, Cely luta pela sobrevivência em paragens assoladas pela epidemia de amnésia cafajeste. Pode acabar perdendo a fé em valores que o coronel Zanin defendeu até a morte.
Às 23:39 deste 2 de dezembro, chegou a primeira mensagem: “Obrigada pela divulgação do nosso caso. Infelizmente o Brasil não cultua seus HERÓIS. Estamos tristes e frustradas com tanto descaso dos políticos em relação a nossa indenização”. Observei que não há o que agradecer. Quem está em dívida com os heróis que tombaram no Haiti somos nós. Somos todos devedores envergonhados com o tratamento ultrajante dispensado pelo governo às famílias das vítimas que, até agora, não receberam a indenização e as bolsas de estudos prometidas por Lula.
A segunda chegou às 23:45: “Já estamos desgastadas com todo o sofrimento que tivemos, agora estamos sozinhas, viúvas, para criar nossos filhos. Dinheiro nenhum compensará a dor da perda dos nossos maridos, nossos companheiros de uma vida. Tudo isso é muito triste para todas nós”. A terceira, sucinta e dolorida como as anteriores, é a mais perturbadora: “Agradeço, sim, pois são poucos os que se preocupam em divulgar notícias como essa. Infelizmente, o Brasil e principalmente os políticos possuem um “ranço” muito grande em relação aos militares. Mais uma vez, obrigada!”
O que há com os brasileiros que agora digerem com mansidão bovina todas as sem-vergonhices, afrontas e vigarices produzidas, dirigidas ou interpretadas pelos canastrões federais? O que há com a oposição oficial que não interrompe a rotina do medo, do minueto e da mesura para topar um único e escasso confronto com os donos do poder? Que fim levou a altivez dos chefes das Forças Armadas, que já não defende sequer os direitos de seus mortos no cumprimento da missão? O que há com a imprensa que endossa essa segunda morte dos heróis do Haiti com o silêncio só episodicamente rompido pela teimosia de combatentes solitários? Enfim, o que há com o Brasil que já não se exaspera com nada?
Depois de dizer a Cely que podia ao menos contar com esta coluna, reli os comentários que escoltam o post. Com uma única e irrelevante exceção, todos apoiam incondicionalmente a causa dos bravos esquecidos. Mas são 120. É pouco para um tapa na cara da nação. E então me pergunto: o que há com os homens decentes que parecem ter renunciado ao bom combate depois de uma eleição que comprovou a existência de 44 milhões de insatisfeitos?
A luta travada pela resistência democrática, escrevi mais de uma vez, não pode ser condicionada pelo calendário eleitoral, nem se limita a disputas nas urnas. Diferentemente da oposição oficial, que entra em recesso entre uma campanha e outra, a oposição real não tira férias. Vive a vida intensamente, sorri, ama, sabe divertir-se ─ mas não foge da boa briga em nenhum momento.
Dito isso, a coluna dá por encerrado o período de licença concedido aos que há um mês desfalcam o timaço de comentaristas. Precisamos da ajuda de todos para que seja honrada a palavra empenhada com a família do coronel Zanin. Essa briga é nossa.
AUGUSTO NUNES/VEJA

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