29 de maio de 2012

Centros de Adestramento para Forças Armadas: Um caminho a percorrer

Marcelo Carvalho Ribeiro*
Instrução de tiro real com Leopard 1A5BR no moderno polígono de tiro. Campo de Instrução do Barro Vermelho, do 4º RCC em Rosário do Sul - Foto: Ricardo Fan
1.INTRODUÇÃO
O preparo das Forças Armadas para exercer sua atividade-fim, a defesa da pátria, é inquestionavelmente sua atividade mais importante, tanto na paz como na guerra. Uma vez definidos os meios com os quais as Forças vão atuar, por meio da Estratégia Genética, é necessário que as forças recebam um treinamento adequado para fazer frente às ameaças, por meio da Estratégia de Emprego, adequada às Hipóteses de Emprego que a nação define.
A qualidade do preparo é diretamente proporcional à qualidade dos meios empregados no preparo, non multa sed multum[1]. Possuir Centros de Adestramento, com modernos meios de simulação, pode proporcionar um salto estratégico no preparo das Forças Armadas Brasileiras. Este artigo pretende discorrer sobre este moderno conceito, e apontar algumas linhas gerais para sua criação.

2. A SIMULAÇÃO DE COMBATE
Simulador do Leopard 1A5br no CIBld - Foto: Sd Robson
A atuação das Forças Armadas em conjunto passa necessariamente por um adestramento eficaz de cada uma das forças componentes. Para realizá-lo de forma eficiente com os recursos que são cada vez mais escassos, as Forças acabam por priorizar determinadas unidades ou grupos de unidades, fazendo com que todo o restante da tropa esteja em uma função secundária ou mesmo não recebam um adestramento adequado.
Os resultados são desastrosos: tropa mal treinada, desmotivada e, frequentemente, desvio da atividade-fim para outras tarefas, aumentando o risco de que, caso a nação necessite, não possa dispor dos meios adequados à sua defesa.
Se o treinamento de cada Força componente fica prejudicado, que dirá o adestramento conjunto: este passa a receber uma baixa prioridade. Cada Força passa empregar todos os recursos disponibilizados para capacitar adequadamente seus próprios meios, e o treinamento em Conjunto passa a ser feito somente em ocasiões pontuais, como demonstrações ou manobras curtas, sem que, com isso, ocorra a necessária interação entre as Forças.
Para vencer estas dificuldades, o uso da simulação de combate vem avançando nas três forças no decorrer dos últimos anos. Cada uma das Forças componentes já possuem meios de simulação e já os realizam em suas três vertentes, a saber:
- SIMULAÇÃO CONSTRUTIVA, que envolve tropas e elementos simulados, operando sistemas simulados, controlados por pessoas reais, normalmente numa situação de comandos constituídos. Também conhecida pela designação de “jogos-de-guerra”. A ênfase dessa modalidade é a interação entre pessoas, divididas em forças oponentes que se enfrentam sob o controle de uma direção de exercício.
- SIMULAÇÃO VIRTUAL, modalidade de simulação na qual são envolvidas pessoas reais, operando sistemas simulados, ou gerados por computador. Enquadram-se entre os simuladores virtuais, os simuladores de procedimentos[3], os treinadores virtuais[4] e os simuladores virtuais táticos[5].
Enquanto os simuladores de procedimentos têm como foco a interação homem-máquina, logo indicados ao treinamento de nível individual, os simuladores virtuais táticos visam o aprendizado, treinamento ou experimentação de situações cujo enfoque está nas interações com o ambiente e na coordenação entre as forças presentes, portanto, adequado aos escalões mais elementares (até nível subunidade) da força.
Por sua vez, os treinadores virtuais oferecem excelentes condições para interação homem-máquina-ambiente, assim, são os dispositivos que estão no meio do “continuum” entre os demais simuladores.
- SIMULAÇÃO VIVA, modalidade na qual são envolvidas pessoas reais, operando sistemas reais (armamentos, equipamentos, viaturas e aeronaves de dotação), no mundo real, com o apoio de sensores, dispositivos apontadores “laser” e outros instrumentos que permitem acompanhar o elemento e simular os efeitos dos engajamentos.
Simulador do Leopard 1A5br no CIBld - Foto: Sd Robson
Os Dispositivos de Simulação de Engajamento Tático (DSET) são os mais proeminentes desta categoria. Este tipo de simulação é a que está mais próxima da realidade, dado que um mínimo de recursos é simulado. No entanto, para reproduzir situações verossímeis, é necessário que haja atores de diferentes naturezas participando do exercício de simulação viva, o que requer, por exemplo, dispositivos que possibilitem a reprodução e interação entre todos os sistemas de armas dos elementos de manobra, e não apenas algum deles.
São óbvios os benefícios trazidos pela simulação de combate: melhor qualidade de adestramento, economia de recursos, otimização do tempo, desenvolvimento e adequação da doutrina militar, treinamento das forças direcionado para as hipóteses de emprego, fazendo com que atuem de modo mais eficaz, dentre outros.
Atualmente, no nosso país, estes meios estão desenhados, na sua maioria, para atender a necessidades pontuais, sem pensar numa interação entre si, quer dizer: o meio construtivo não interage com o da simulação virtual e com a viva. Tampouco há uma interação dentro da própria Força, ou seja: no caso do Exército, os meios de apoio de fogo não interagem com a aviação do exército ou dos blindados. Interação entre Forças Armadas só mesmo em alguns exercícios de Estado-Maior conjunto, como os realizado nas Escolas de Estado Maior, no final de cada ano no Rio de Janeiro, na qual somente há a possibilidade de participação de algumas dezenas de militares cada ano.

3.CENTRO DE ADESTRAMENTO: EM QUE CONSISTE?
O conceito de centro de adestramento não é uma novidade nas Forças Armadas de outros países. Consiste na adequação destes meios de simulação a um campo de manobras em concreto, para onde alguns efetivos possam se deslocar e onde possa acontecer um trabalho conjunto de estados-maiores e frações de tropa, onde todos possam ganhar. Consiste, ainda, em se modernizar um Campo de Instrução, dotando-o de meios que permitam a realização, simultaneamente, dos três tipos de simulação, e ainda com capacidade de realização de exercícios de tiro real.
A vantagem de se reunir estes meios em um único local são imensas. A primeira delas é a redução de custos de manutenção e operação, embora requeira consideráveis e contínuos recursos para despesas com deslocamentos e gratificações da tropa. Conjugada com a adequação de um cronograma de utilização pode proporcionar o adestramento eficaz de um grande grupo de organizações existentes em uma determinada região, maximizando os investimentos realizados.
Outra vantagem significativa é a possibilidade de se gerar, ao longo do ano, diversas oportunidades para que as Forças possam interagir, gerando uma cultura de emprego conjunto.
Como modelos, poderíamos citar o National Training Center, nos Estados Unidos da América, e o Centro Nacional de Adestramiento San Gregório, do Reino da Espanha.
Ambos reúnem conceitos semelhantes: áreas para acampamento e acantonamento para a tropa, com toda uma infraestrutura para o apoio ao treinamento, modernos campos de tiro, dotados de alvos pop-up[2] e meios para realização de tiro em movimento, noturno, com meios aéreos, etc., meios de monitorização das forças que permitam exercícios do tipo duelo, com emprego de forças oponentes., e, igualmente importante, meios de simulação construtiva e virtual, que permitem adestrar estados-maiores e frações de tropa simultaneamente.
No nosso país, tal estrutura inexiste. As forças atuam em seus campos de manobras ou áreas próprias. Normalmente, quando atuam, Realizam exercícios de curta duração, pois, devido à falta de estrutura, não tem capacidade de durar longo tempo em ação, dado a falta de capacidade de se realizar um apoio logístico eficaz. Além disso, muitas OM não dispõem de campos de instrução ou quando dispõem, têm parte da área inutilizável para a realização de manobras táticas em função de arrendamentos.
Dessa forma, seus exercícios ficam limitados a pequenas faixas de terreno, que não permitem o desdobramento exigido taticamente. A presença de tropa por um período prolongado pode vir a gerar danos ambientais, dada a falta de infraestrutura. A qualidade do adestramento fica comprometida pela falta de um apoio efetivo, sem contar a baixa qualidade dos meios para medir os resultados alcançados, normalmente bastante empíricos.
O investimento num Centro de Adestramento poderia modificar rapidamente este quadro.
Muitos podem pensar que o montante de recursos para atingir esta meta seria proibitivo. Para contra-argumentar esta colocação, basta pensar que este investimento seria uma ação de médio e longo prazo, mas que iniciasse com decisão: começando-se por reduzir a quantidade de campos de manobra existentes, por meio de manobras patrimoniais, e eleição de alguns para que possam receber os investimentos.
Os recursos advindos da alienação destes campos ou áreas menores, penso, já seriam suficientes para ampliar algumas áreas e dotá-las da necessária infraestrutura. De modo progressivo, pode-se investir-se em meios de simulação, seguindo-se uma política única para sua aquisição pelas Forças, reduzindo, com isso, seus custos.E mais: Cada uma das áreas estratégicas poderia possuir um Centro de Adestramento, com vocações distintas. Na Amazônia, no Centro- Oeste e no Sul, poderia ser dada a prioridade para os meios aéreos e terrestres. No sudeste e nordeste, prioridade aos meios navais e aéreos.

4.CONCLUSÃO
Preparar as Forças para sua atividade-fim sempre foi e será o grande desafio para as Forças Armadas de um país. O emprego da simulação de combate para o adestramento de forças vem sendo ampliado nos últimos anos, com a disponibilização de meios cada vez mais eficazes e modernos.
Em nosso país, torna-se necessário repensar a política de investimento nestes meios para as Forças Armadas, para que possam gerar uma melhor relação custo- benefício. A criação de Centros e Adestramentos regionais poderia contribuir sobremaneira com esta finalidade, fazendo com que estas deixem de pensar isoladamente em seu adestramento, e passem a interagir de modo mais frequente e com maior qualidade.
A própria criação desta estrutura seria já um desafio, que poderia fazer com que houvesse maior interação do adestramento entre as Forças, num nível regional. Exigiria uma coordenação por parte do Estado-Maior Conjunto, no estabelecimento de uma política única para a simulação, gerando a necessária sinergia na constituição de tão grandioso projeto.
Melhorar a qualidade do adestramento de cada Força Componente e das Forças, como Conjunto, é uma tarefa que exige coordenação, investimento e modernidade. Com esta finalidade, portanto, a criação de Centros de Adestramento é um importante caminho a percorrer. Conjugar esforços com esta finalidade, no momento em que o Brasil aponta como um importante ator no cenário estratégico internacional é absolutamente fundamental.
[1] Não em quantidade, mas em qualidade.
[2] Alvos que levantam e abaixam, mediante um comando remoto.
[3] Os simuladores de procedimentos são dispositivos que buscam reproduzir, com maior grau de fidelidade, os sistemas reais, no intuito de oferecer ótimas condições de interação homem-máquina.
[4] Os treinadores virtuais são dispositivos que integram Hardwares, semelhantes aos existentes nos sistemas reais, a ambientes virtuais.
[5] Os simuladores virtuais táticos são dispositivos, normalmente aplicativos, que propiciam a interação entre diversas pessoas e máquinas num ambiente virtual gerado por computador.

Veja também o video de Instrução de tiro real com alvos Pop-Up

*Tenente Coronel do Exército, Comandante do Centro de Instrução de Blindados
DefesaNet/montedo.com

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