23 de fevereiro de 2015

STF deve revisar Lei da Anistia, diz juiz.

Para membro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nova composição fará tribunal brasileiro rever decisão
Supremo reafirmou em 2010 validade da lei que garantiu perdão a crimes cometidos na ditadura militar

ISABEL FLECK
ENVIADA ESPECIAL A SAN JOSÉ
O vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o brasileiro Roberto Caldas, acredita ser apenas "uma questão de tempo" até que o STF (Supremo Tribunal Federal) decida revisar a Lei da Anistia, de 1979, neste ano.
Para o magistrado, é evidente que a formação da geração de juízes que está à frente do tribunal "teve uma carência em direitos humanos" --o que justificaria a decisão dos ministros, em abril de 2010, de não revisar a lei.
Ele, contudo, destaca um "avanço significativo" desde então no entendimento, por parte do STF, do trabalho da Corte Interamericana, que condenou o Estado brasileiro, em novembro de 2010, pelo desaparecimento de 62 pessoas durante a guerrilha do Araguaia (1972-74) e questionou a aplicação da anistia a crimes "imprescritíveis".
"O Supremo é muito qualificado, porém a formação das gerações de juízes teve uma carência de direitos humanos, na qual eu me incluo", disse Caldas em entrevista à Folha, em San José.
"Agora houve um avanço significativo nesse conhecimento do próprio tratado, do papel da Corte e creio que será natural o julgamento do Supremo levar em conta a decisão [de 2010] da Corte Interamericana", completou.
O otimismo de Caldas se deve à ação ajuizada no STF pelo PSOL em maio passado, na qual o partido contesta a aplicação da Lei da Anistia a agentes públicos que cometeram graves violações de direitos humanos na ditadura.
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Para o juiz, esta é a primeira vez, em mais de quatro anos, que o STF "tem a chance de se debruçar plenamente" sobre a revisão, que abriria caminho para o cumprimento da sentença da Corte.
"A Lei da Anistia ficou desbalanceada porque se aplicou de uma maneira geral [para todos os crimes] para os agentes do Estado", disse.
A ação está sob análise do relator, Luiz Fux. Não há previsão de quando será votada.
Apesar do otimismo do magistrado, dos dez atuais ministros do STF, quatro recusaram em 2010 a revisão da Lei de Anistia (Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello), e apenas um votou a favor: Ricardo Lewandowski.
Em outubro passado, a Corte Interamericana emitiu nova resolução na qual cobra o Estado brasileiro por não cumprir a sentença de 2010 para punir os responsáveis por desaparecimentos forçados durante a Guerrilha do Araguaia. O tribunal dá um prazo até março para que o país explique o que está fazendo para aplicar a decisão.
Há uma discussão sobre se a sentença da Corte Interamericana está acima da decisão do STF de manter a anistia a agentes do Estado.
Para Caldas, é muito claro que a decisão final sobre este tema é de seu tribunal --e o Brasil, sendo signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que criou a Corte, está ciente disso.
"A Corte Interamericana é a intérprete última da Convenção Americana, que deve prevalecer em relação a todas as leis, inclusive às Constituições dos países."
Apesar de elogiar o relatório da Comissão Nacional da Verdade, que pede a revogação da Lei da Anistia, ele diz que "o que importa" é a sentença da Corte, "obrigatória" para o governo. E acrescenta: "Há maturidade nas instituições militares para passar essa página da história. As Forças Armadas não podem ficar reféns de crimes graves de alguns de seus componentes".
FOLHA DE SÃO PAULO/montedo.com

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