9 de março de 2011

CORONEL FAJUTO VIRA "CAPITÃO FINGIMENTO"

Capitão Fingimento
Um falso militar comandou 180 policiais e foi vizinho de gabinete do secretário de Segurança do Rio. Agora pode conhecer o sistema carcerário

Nelito Fernandes
SAMPAIO DEIXANDO A CARCERAGEM,
EM DEZEMBRO
Em junho de 2007, o “tenente-coronel do Exército” Carlos da Cruz Sampaio Júnior deu um curso de sobrevivência a alunos do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Cobrou R$ 150 pelo pacote de aulas. Na mata, um dos rapazes demonstrou medo de cobras. O “militar”, então, tranquilizou o rapaz: “Já vi uma anaconda de 32 metros”. Essa foi a mentira mais inocente que o “coronel” contou. Sampaio foi preso em outubro do ano passado depois de passar pelo menos oito anos fingindo ser militar e trabalhando para a polícia do Rio. Chegou a trabalhar por três meses no mesmo andar do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, como coordenador da Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional. Sua função era pensar na distribuição dos policiais e coordenar operações envolvendo as polícias Civil e Militar. Na semana passada, foi denunciado pelo Ministério Público por falsa identidade e porte ilegal de armas. Se for condenado, poderá pegar seis anos de prisão.
O golpista contou que sempre teve projetos para a área de Segurança. Ele procurava autoridades para apresentar suas ideias como cidadão comum, mas era ignorado. Filho do capitão da reserva do Exército Carlos da Cruz Sampaio, de 72 anos, via como seu pai era respeitado e, então, providenciou uma farda. As portas se abriram. Satisfeito com o resultado, Sampaio comprou cerca de 20 uniformes falsos, que guardava num baú em seu apartamento em Vila Isabel, bairro de classe média na Zona Norte do Rio. O falso oficial usava uma roupa para cada ocasião. Chegou a se apresentar também como delegado.
Forjou um currículo extenso. Dizia ter sido comandante do Pelotão de Operações Especiais do Batalhão da Guarda Presidencial em Brasília, comandante do 2º Pelotão Especial de Fronteira Solimões, no Amazonas, e oficial de Munições, Explosivos e Manutenção de Armamento do 42º Batalhão Motorizado, em Goiás. Também dizia ser formado em Direito, com pós-gradução.
NA PM CARIOCA
A fala firme, a postura solene, as ideias e o falso currículo o credenciaram para um emprego de verdade na Secretaria de Segurança. Mesmo com tanta “experiência”, Sampaio aceitou começar por baixo. Em 2002, ainda no governo Rosinha Matheus, foi nomeado assessor da Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional. Em 2003, quando o secretário de Segurança era o ex-governador do Estado, Anthony Garotinho, Sampaio virou coordenador da Operação Pressão Máxima, que investigava o tráfico de drogas. Ele comandava 180 homens. No primeiro fim de semana, seu grupo fez 78 prisões, apreendeu 31 armas, 364 quilos de maconha e 3,5 quilos de cocaína.

“Eu era bom no que eu fazia”
SAMPAIO, depois de preso, a seu advogado, Rogério Roca. Como golpista, ninguém duvida
Sampaio foi descoberto pelo Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Segurança por acaso. Em agosto do ano passado, a secretaria começou a renovar os crachás. Até então, Sampaio tinha acesso ao prédio dando o número de seu documento, alegando ter perdido o original. Com a troca, todos os funcionários tiveram de fazer um recadastramento. Sampaio apresentou, então, a carteira falsa do Exército. Os analistas perceberam que o modelo apresentado era diferente do usado pelos demais militares que trabalham lá. Era um modelo antigo do documento, que não é mais usado. Os policiais procuraram o Exército, que negou que ele fosse militar.
Filho de um militar de verdade, o golpista demonstrava conhecimento sobre procedimentos e manobras do Exército. Todo o know-how vinha de conversas com o pai. “Nunca imaginei que fosse acontecer uma coisa dessas. A gente leva a vida toda sem conhecer as pessoas, fica sem chão”, disse o pai na época da prisão. O falsário afirmou que sempre quis ser militar, mas não conseguiu ser aprovado no concurso para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).
Em agosto do ano passado, Sampaio atuou num caso de grande repercussão no Rio. Traficantes da Rocinha invadiram o Hotel Intercontinental e trocaram tiros com a polícia. O tiroteio foi notícia no mundo, com a imprensa lembrando que a cidade seria palco das Olimpíadas e da Copa. Entre as dezenas de policiais que participaram da ação estava Sampaio. Ele foi filmado bem perto do hotel, usando um colete da Polícia Civil, e teria ajudado a negociar a rendição do bando – em nota, a corporação nega esse episódio.
A cara de pau do falso militar era tanta que ele chegou a participar de solenidades e projetos fora do Estado representando a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. No dia 5 de outubro do ano passado, Sampaio e mais dois policiais foram até São Paulo para estudar o projeto que reduziu a criminalidade na cracolândia. No encontro, Sampaio recebeu uma placa da PM de São Paulo e posou para fotos de terno e gravata. Usava seu prestígio também para fins prosaicos: apresentava-se como coronel e pedia ingressos para o Maracanã.
DANDO INSTRUÇÃO AOS ALUNOS DO CMRJ

Sampaio não era somente um homem de gabinete. Gostava de ação. Na vizinhança de seu apartamento, era considerado herói. Em setembro do ano passado, ele organizou o cerco nos arredores a um bandido que fazia uma refém no bairro em que morava. A ação terminou depois que um atirador de elite matou o bandido. Tirou até foto ao lado do corpo. Em agosto, ele se apresentou no 17º Batalhão da Polícia Militar, na Ilha do Governador, pegou um fuzil M16 e solicitou homens. Sampaio rodou num comboio pelas ruas da Ilha até que resolveu fazer uma blitz. Com sua pose de sempre, parava carros e pedia documentos. Até que os policiais acabaram trocando tiros com um bandido que acabara de fazer um sequestro-relâmpago. O promotor Sauvei Lai, que ofereceu a denúncia contra o falsário, afirmou que o comportamento dele durante o tiroteio foi incomum. “Os policiais disseram informalmente que ele se borrou todo e se jogou no chão. Mas, falando friamente, a operação foi um sucesso”, diz o promotor. O bandido morreu e o refém foi libertado.
COM A CÚPULA DA POLÍCIA PAULISTA

















TEXTO: ÉPOCA  IMAGENS:INTERNET
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