Ministro diz que pedidos vão abranger ruas ou bairros inteiros
Os militares na Favela Kelson's, na Penha Foto: Domingos Peixoto / Agência o Globo |
Igor Gielow
SÃO PAULO
A decisão do governo federal de pedir mandados de busca em grandes áreas do Rio atende a preocupações do Alto Comando do Exército, que busca ver elementos da atuação que o Brasil teve durante 13 anos no Haiti implantados da intervenção decretada no Estado.
A Folha ouviu oficiais superiores que, até para não sugerir falta de cooperação, pediram anonimato sobre suas opiniões. Eles foram unânimes ao apontar o que consideram “risco de enxugamento de gelo” na operação militar em planejamento.
Como o governo tomou a decisão política de intervir antes de ter um plano à mão, o generalato teme que a pressão por resultados acabe unicamente na conta do comandante militar do Leste, Walter Braga Netto.
Não por acaso ele disse, já na sexta (16), que precisaria começar seu plano do zero.
O governo já havia atendido a uma das demandas das Forças Armadas no ano passado, quando promoveu a aprovação pelo Congresso do projeto que prevê que eventuais crimes cometidos durante as chamadas GLOs (Operações de Garantia da Lei e da Ordem) sejam submetidos à Justiça Militar.
Agora, busca implantar a experiência obtida no patrulhamento urbano da ilha caribenha, onde o Brasil comandou uma missão de paz da ONU encerrada em 2017.
O mandado por área é um desses pontos. Outros itens são mais polêmicos, como a possibilidade de engajamento com elementos supostamente hostis. Em português: o soldado pode atirar num civil portando um fuzil na rua.
Nenhum oficial superior virá a público falar sobre essa possibilidade, mas ela foi externada em entrevistas concedidas no fim de semana por um general da reserva extremamente influente no Alto Comando, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que comandou tropas no Haiti e na região amazônica.
Heleno falou especificamente sobre a regra à Globonews e à BandNews FM, e disse ter ficado preocupado com as afirmações de autoridades de que o Exército não teria poder de polícia.
Alguns dos oficiais ouvidos pela reportagem citaram também algo que Heleno disse: a necessidade de utilizar forças de fora do Estado para evitar o vazamento de detalhes operacionais da atuação das Forças Armadas. Soldados, afinal, moram nas mesmas favelas que os traficantes ou milicianos, sendo suscetíveis a pressões e ao aliciamento.
A possibilidade de empregar oficiais da reserva que estiveram no Haiti também faz parte das conversas nos quartéis —eles podem ser convocados até cinco anos após a aposentadoria militar.
Ao todo, 36 mil militares brasileiros serviram na ilha ao longo do mandato brasileiro por lá.
De fato, no modelo pensado inicialmente pelo governo, o que as Forças Armadas farão no Rio se assemelha, e muito, a uma versão ampliada das GLOs já realizadas no Estado —foram 11 desde 2016.
Ou seja, patrulhamento ostensivo em pontos de fluxo, controle de estradas e áreas estratégicas, ações de inteligência coordenada com outros Estados, mas com o trabalho policial sendo feito por PMs e policiais civis.
O general Braga Netto, que comanda cerca de 50 mil homens no Rio, Minas e Espírito Santo, terá à sua disposição outros 50 mil membros das forças estaduais.
A formatação final da operação está em curso, e dependerá de um decreto adicional.
No governo, isso é visto como um problema menor na intervenção federal. Segundo a Folha ouviu de um envolvido nas discussões, a questão da GLO é menor perto do problema central a ser atacado: a corrupção nas corporações policiais do Rio.
Ainda é incerto, juridicamente, como será feita essa parte da atuação.
Como lembrou um militar, qual será o critério para determinar qual comandante de batalhão é ou não corrupto? E mais: uma vez identificado e removido, ele será substituído por seu imediato, que provavelmente sabia de tudo?
Este é o ponto nevrálgico explicitado pelo ineditismo da operação. O governo avalia que se conseguir avançar nesse quesito, terá como oferecer uma resposta àqueles que criticam o provável alívio momentâneo que a GLO proporciona como um um mero paliativo para a crise.
Folha de São Paulo/montedo.com