Jovem é espancado na Maré e moradores acusam Exército de omissão
"Pensei que pudesse fazer uma diferença, pois eles são do Exército, e iria respeitar, esconder meu baseado, por exemplo. Mas agora, não. Vou fumar meu baseado aqui mesmo e se eles vierem falar comigo vou partir para cima, arrebentar na porrada. E te digo outra: não vão para o hospital, não. Será para o cemitério".
Por Bruna Fantti
RIO DE JANEIRO, RJ, 6 de abril (Folhapress) - Na manhã de hoje, um jovem da comunidade Nova Holanda foi espancado e arremessado em um valão por um grupo de adolescentes, moradores da favela Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré, na zona norte do Rio.
As duas comunidades são divididas por um valão de esgoto e dominadas por traficantes de facções distintas. De acordo com parentes de Cláudio Brum dos Reis, de 22 anos, o estudante pediu a militares do exército para assistir a um jogo de futebol na área rival.
Após chegar ao local do jogo, foi abordado por adolescentes e agredido. Desde ontem, os militares do Exército ocupam o Complexo da Maré, através da Força de Pacificação.
"Era início da manhã, os soldados permitiram que ele fosse ao jogo e não fizeram nada quando ele foi espancado. Ele levou vários pisões na cabeça, deram muitos socos, só porque ele é morador daqui [Nova Holanda]. Tinha crianças na rua, pessoal andando de bicicleta, comércio aberto e eles não fizeram nada. Perguntei isso a um soldado e ele disse que não poderia se meter em briga de facção. Mas foram os próprios soldados que falaram para ele ir assistir ao jogo, que era seguro", afirmou a prima da vítima, Cássia Brum.
Ainda de acordo com as testemunhas, Cláudio, que é deficiente físico, foi arrastado e jogado dentro do valão que divide as comunidades.
Ao tentar prestar socorro a Cláudio, os moradores foram impedidos pelos militares que solicitaram o serviço dos bombeiros.
"Nesse momento, como eles não deixavam a gente socorrer e já tinha passado quase meia hora que a ambulância não chegava, começou outra confusão, a gente se revoltou. Nisso, os militares deram três tiros para o alto e jogaram gás de pimenta na gente. Que segurança é essa que só serve para revistar? Quando a gente precisa de ajuda falam que não podem se meter.", desabafou outra prima de Cláudio, Jaqueline Oliveira.
Segundo o major Alberto Horita, chefe da comunicação social da brigada paraquedista que está no Complexo da Maré, o caso será apurado.
"Não existe ordem para não intervir em alguma briga. Pelo contrário, estamos aqui para garantir a lei e a ordem e prover a segurança. Vamos avaliar o que ocorreu nesse caso e as circunstâncias".
O episódio da agressão e suposta omissão do Exército fez com que parte dos moradores da Nova Holanda criassem desconfiança no trabalho dos militares.
"Desde criança sei que não posso atravessar a rua do valão. Tive que tirar meu filho da Vila Olímpica pois ela fica na região da Baixa do Sapateiro. Pensei que algo fosse mudar, mas não. As brigas continuam. Na semana passada a PM entrou e um adolescente daqui morreu. Hoje, o Exército entra e meu primo é espancado. Só mudou uma coisa: antes as brigas eram de fuzil e, com a presença dos militares, eles brigam de facas e pedras", relatou Cássia.
Outro adolescente, que já participou de brigas e não quis se identificar, afirmou que não irá respeitar os militares. "Pensei que pudesse fazer uma diferença, pois eles são do Exército, e iria respeitar, esconder meu baseado, por exemplo. Mas agora, não. Vou fumar meu baseado aqui mesmo e se eles vierem falar comigo vou partir para cima, arrebentar na porrada. E te digo outra: não vão para o hospital, não. Será para o cemitério".
No último domingo, Vinícius Guimarães, de 15 anos, morreu após ser atingido por um tiro, durante uma briga entre adolescentes das duas comunidades.
A secretaria Municipal de Saúde ainda não informou o boletim médico de Cláudio, mas o adolescente está na sala vermelha do Hospital Municipal Souza Aguiar, onde ficam internados os pacientes em estado grave.
Diário do Sudoeste