"Dragão do exército francês é baleado durante a campanha de 1914" - acevo Estadão |
A segunda ofensiva de Champagne programada pelo general francês Joseph Joffre para obrigar o exército alemão a recuar na região de Marne estava em seus últimos preparativos quando o subtenente Arthur Charles Leguay, de 37 anos, recrutado em Le Mans e matriculado sob o número 1.657 no 2.º Batalhão de Caçadores a Pé, desembarcou na estação de trem de Vitry-le-François, em 15 de setembro de 1915. Onze dias depois, de sua trincheira, sob a luz de velas, ele escreveu à sua mulher, Madeleine: “Parece que seremos encarregados de perseguir o exército alemão e que receberemos ordem de não parar até a margem do Reno. Quer dizer que queremos o sucesso completo”, disse o poilu (soldado de infantaria francês), completando em tom otimista: “No momento em que escrevo, as baterias de artilharia pesada bombardeiam o terreno para deslocar as tropas inimigas. Todos estão sorridentes”.
O ataque ao qual Leguay se referia teve início às 4h45 de 30 de setembro de 1915. Seu objetivo era tomar o vilarejo de Ripont e posições alemãs próximas das colinas de Main de Massiges, em Champagne. O balanço da operação do lado francês indicava 797 baixas, incluindo 159 mortos – entre eles, 17 oficiais. Além deles, havia 182 desaparecidos, entre os quais o subtenente. A Madeleine, um de seus colegas de tropa escreveu: “Não posso dizer que ele esteja morto, mas o viram cair ferido”.
Como cerca de 700 mil combatentes jamais foram encontrados na 1.ª Guerra Mundial, Leguay poderia ter sido condenado a jamais ser localizado. Em meio ao conflito, corpos desapareciam por completo, desintegrados por granadas de obus ou soterrados por explosões nos arredores. Mas a sina foi diferente. Sua ossada acabaria encontrada por acidente, em 16 de maio de 2012, 97 anos mais tarde, em sua trincheira, onde também estavam sua placa de identificação, os estilhaços de obuses que o mataram e seu capacete, perfurado.
Seus restos mortais e pertences testemunham o horror da guerra nas trincheiras, onde 56% dos soldados acabavam mortos ou feridos, além de tantos outros doentes físicos ou mentais em razão das condições do conflito. Sepultados em fossas coletivas ou em túmulos isolados, grande parte dos soldados, como Leguay, jamais foi identificada. Antes abandonada, a área da colina foi adquirida por cinco moradores do vilarejo, que reconstituíram as galerias de Massiges, transformando-as em um dos mais bem conservados sítios da guerra do país. O resultado do trabalho é que dezenas de soldados desconhecidos vêm sendo encontrados. Entre eles está o poilu Albert Dadure, morto em 7 de fevereiro de 1915, aos 21 anos, e localizado 97 anos depois.
Enterrar corpos na 1.ª Guerra Mundial não raro era impossível em um conflito marcado por trincheiras inimigas separadas em geral por 100 ou 200 metros. “Às vezes, entre uma trincheira alemã e uma francesa, era possível ouvir as vozes, ouvir o ruído dos talheres durante as refeições, ouvir o soldado inimigo limpar sua arma. Havia toda uma vida que acontecia nas trincheiras”, conta Alexis Guilbert, militar de elite francês e estudioso da 1.ª Guerra Mundial. Essa vida, que também podia se passar nas galerias subterrâneas da região de Aisnes usadas pelos soldados, se resumia a esperar o momento do ataque. “Os assaltos eram extremamente letais. Quando uma seção completa saía da trincheira, alemães e franceses alinhavam suas metralhadoras e logo não havia mais nada. Regimentos inteiros desapareciam por nada.”
Degradante
Dessa forma, um em cada 10 combatentes morreu na 1.ª Guerra Mundial, grande parte das vezes abandonados em condições degradantes. No campo de batalha, não raro a única opção era cavar covas rasas e provisórias ou abandonar os cadáveres, à espera de um bombardeio que também desse um fim aos agonizantes, com frequência deixados à própria sorte entre as trincheiras inimigas.
Não bastasse a expectativa sombria de cada soldado, excrementos, ratos, infestações de insetos, barro, umidade, chuva e frio glacial se uniam ao pesadelo, provocando epidemias como disenteria, cólera ou tifo, doenças de pele, gangrenas nos pés e infecções as mais variadas, em uma época em que a medicina ainda não contava com antibióticos. Ao martírio físico, somava-se uma tortura psicológica: o risco que cada militar corria de se tornar um “gueule cassé”, ou “cara quebrada” – o deformado. Assim era a vida e a morte em campos de batalha em regiões como a belga Ypres ou as francesas Somme e Verdun, segundo os testemunhos dos soldados, legados em milhões de cartas trocadas com suas famílias.
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