Natural da Barra do Ceará, jovem conta sua rotina como fuzileiro naval dos Estados Unidos
Renê Bezerra, de 26 anos, ingressou há sete no Corpo de Fuzileiros Navais, a elite das forças armadas dos EUA. Seu sonho é ser capelão para ajudar militares espiritualmente
Dizem que em todo canto do mundo existe um cearense. E, no Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, que é a ponta da lança da monumental estrutura de guerra do país, não seria diferente. O cearense Renê Bezerra, de 26 anos, é fuzileiro naval americano há sete anos. Nascido em Fortaleza, o marine se diz pronto para atuar em qualquer parte do globo terrestre. “A função principal de um fuzileiro naval é a de estar pronto para um destacamento militar”, afirma.
O jovem sempre teve a curiosidade de ser militar, mas o grande sonho era trabalhar na área de informática. A saída da capital cearense, mais precisamente do Bairro Barra do Ceará, ocorreu quando tinha 12 anos. “Eu vim para os Estados Unidos com a minha mãe e a minha irmã. Sempre foi um desejo muito grande do coração da minha mãe poder construir uma vida melhor para os filhos. Quando surgiu a oportunidade, ela vendeu tudo o que tinha no Brasil e partiu com a gente”, conta.
Mas a chegada não foi fácil como imaginavam. Nos primeiros meses, moraram de favor na casa de pessoas desconhecidas. Logo depois, alugaram um apartamento em uma área perigosa na cidade de Newark, em Nova Jersey. “Na minha percepção, algumas áreas dessa cidade eram mais perigosas do que a Barra do Ceará. A escola também era muito perigosa também, e eu quase fui linchado”, lembra. A adaptação foi possível depois de mudanças de cidades e do ingresso à Assembleia de Deus de South River. “A partir desse tempo, minha vida começou a tomar um novo rumo. Entreguei minha vida para Jesus e tudo mudou para melhor. Mas eu não tinha a mínima ideia do quanto a minha fé influenciaria o meu futuro”.
Aos 18, durante o último ano do Ensino Médio, Renê recebeu a proposta de ingressar no serviço militar dos Estados Unidos e a possibilidade de atuar em guerras. Quarenta minutos depois, já estava na sala do recrutador da Fuzilaria. “Em qualquer outro dia, essa conversa jamais existiria; mas, aquele dia foi especial. Eu senti um impulso no subconsciente de fazer isso”. Logo a curiosidade de menino voltou. Dessa vez, sem medo de dar um ‘sim’ como resposta.
Com o aval da mãe, dos irmãos e da noiva, jurou à bandeira americana que atuaria no serviço militar. Foi em busca, então, de iniciar o treinamento básico militar dos Fuzileiros Navais, tendo de deixar a família, mesmo sabendo que casaria três meses depois. Mal sabia que enfrentaria o treino mais difícil de todas as forças armadas dos Estados Unidos, a elite militar americana. O treinamento foi difícil tanto no aspecto físico quanto no mental. Só podia se comunicar com os parentes por meio de carta.
Logo no primeiro dia, foi tratado com indiferença, perdeu a identidade, a individualidade e até parte do vocabulário. Sem relógio, sem celular, sem poder falar com ninguém fora do batalhão, foi pressionado a mudar. Com tanta coisa para fazer e aprender, sob tanta pressão e cansaço, Renê perdeu o senso de tempo durante o treinamento. Uma semana parecia um mês. “Eles tinham nomes diferentes até para ‘porta’, ‘parede’, ‘banheiro’ e ‘chão’. Se não aprender rápido o novo vocabulário, fica difícil até de pedir para usar o banheiro fora do horário programado. Porque tudo que alguém precisa tem que ser pedido usando o vocabulário certo, e tudo tem que ser falado gritando bem alto”, explica.
De acordo com Renê, as coisas mudaram depois que os instrutores descobriram que ele era brasileiro. “Um deles até começou a agir com menos agressividade comigo. Acho que ele gostava de brasileiros. Aliás, pela minha experiência, todo mundo que eu conheço gosta de brasileiros”, brinca. Mesmo assim, o medo ainda habitava a mente e o coração do cearense. Ficava se perguntando se realmente deveria ter ingressado no serviço militar. “Eu me apavorava com a possibilidade de ir para o Iraque ou Afeganistão e ter de deixar a minha noiva sozinha. Mas uma voz no meu coração sempre vinha me confirmar que tudo isso tinha um propósito”, desabafa.
Capelão militar
Graduado no treino básico, em 2007, com apenas 19 anos, já podia ser chamado Fuzileiro Naval. Sargento Renê mudou tanto na aparência física – o cabelo espetado tinha ficado no passado – quanto nas atitudes. Aprendeu que as vezes é preciso gritar, porque nem tudo é calmaria. “Eu tive dificuldade de entender a necessidade de gritar. Sempre fui uma pessoa calma e resolvi tudo na base da conversa. Então tive que aprender que há situações que requerem um pouco de agressividade, especialmente quando o tempo é curto para a missão”, conta.
Em dezembro do mesmo ano, casou de uniforme de gala e logo retornou para mais um treino: o chamado Marine Combat Training, atuando na área administrativa, com organização de papelada, transferência de militares e assistência ao comandante da base. Em sete anos de trabalho, nunca teve de participar de um combate, mas viu de perto amigos brasileiros traumatizados com experiências de batalhas. Renê não sonhava com isso. A vontade era de se tornar um capelão militar, para celebrar casamentos, batizados, formaturas e ajudar espiritualmente os militares americanos.
“Há um desejo muito grande entre os militares de algo espiritual; porém, poucos buscam encontrar, resultando em fraquezas morais e emocionais. Com tudo isso, aprendi que Deus me levou ao militarismo para submeter a minha vida não a favor do país, mas principalmente a favor de cada um desses indivíduos que, embora possuidores de muita coragem e sacrifício pessoal, lhes faltam o importante conhecimento de que há esperança para os seus problemas”, reflete.
Fazendo parte do melhor ramo das forças armadas americanas e ganhando cerca de 4 mil dólares por mês, sargento Renê admite que ainda sente saudade do Ceará, principalmente do carinho e do senso de humor do povo cearense. Ah, sem contar na comida, muito melhor que a alimentação nos Estados Unidos. “Sinto falta do baião de dois com carne de sol, do bolo mole e da sopinha caseira de carne que minha avó fazia”, relembra.
Hoje o jovem mora no estado de Massachusetts, estuda o primeiro semestre de Mestrado de Divindade, em tempo integral. O cearense pretende, em quatro anos, completar os pré-requisitos necessários para ser um capelão militar, e então dar continuidade ao trabalho no batalhão. “Toda a minha família, no Brasil, conheceu Deus por meio de missionários americanos. Agora, eu me encontro nos Estados Unidos fazendo minha missão Cristã em meio aos meus amigos das tropas americanas”, conclui.
O Corpo de Fuzileiros Navais é focado na “projeção da força”, mais especificamente na projeção do poder militar dos Estados Unidos a partir de navios da Marinha em áreas de desembarque hostis. Os fuzileiros encabeçaram assaltos anfíbios e ganharam terreno para as tropas americanas durante toda a história dos EUA. Eles protegem ou estabelecem bases avançadas a partir das quais o Exército e a Força Aérea podem operar.
Os marines foram os responsáveis pelo grande desenvolvimento das táticas de assalto anfíbios americanas durante a Segunda Guerra Mundial, com maior destaque no Oceano Pacífico combatendo tropas imperiais japonesas. Como uma força autônoma, eles usam constantemente todos os elementos essenciais de combate — ar, terra e mar — combinadamente. (Imagens: Arquivo Pessoal)
TRIBUNA DO CEARÁ/montedo,com