Force Commander: um irrequieto no comando da Minustah
Fred Carvalho - Enviado a Porto Príncipe
Fred Carvalho
General de Brigada Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira é o camando do braço militar da Minustah, missão que defende como bom soldado
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Em 32 minutos de entrevista, ele se levantou quatro vezes. Na primeira, pediu que os auxiliares trouxessem água e café. Na segunda vez, solicitou aos mesmos auxiliares um álbum com fotos do Haiti. Foi quando exigiu que um ajudante de ordens ficasse permanentemente na sala. Na terceira vez que se levantou, foi a um mapa do Haiti fazer explicações. Da última, despediu-se de mim e da outra repórter que o entrevistava.
Essa irrequietude tem uma explicação: como um bom soldado, o general de brigada Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira é defensor ferrenho da missão que lhe foi dada. O carioca, de origem potiguar, é o Force Commander, o homem que lidera o braço militar da Missão de Paz para Estabilização no Haiti (Minustah).
Embora não admita, aparenta não gostar de jornalistas fazendo questionamentos. "Eu não tenho medo de vocês. Mas, caso não tenham mais perguntas, vou encerrar a entrevista agora", sugeriu, já levantando. A entrevista, previamente marcada, teria duração de uma hora.
Antes, o general Ramos fez questão de defender a Minustah. Mesmo assim, ressaltou que a missão não durará para sempre e que está na hora de o povo haitiano definir por si mesmo o seu futuro.
"O povo do Haiti não quer que a Minustah deixe o país. No início, em 2004, havia sim resistência. Nossos homens eram recebidos à bala em vários pontos de Porto Príncipe e outras cidades. Mas agora a missão tem outra conotação. Estamos ajudando na reconstrução do Haiti após o terremoto do ano passado. Hoje somos bem recebidos e queridos por todos", falou o homem que tem sob a tutela dele mais de 8.500 homens e mulheres de mais de uma dezena de países.
A Minustah custa cerca de 800 milhões de dólares anuais às Nações Unidas. A tendência, segundo o general, é que esse valor caia progressivamente nos próximos anos. "Na verdade, se não fosse o terremoto do ano passado, a Minustah já teria um contigente militar bem menor. Mas não poderíamos deixar esse país desassistido, sem uma ajuda para se reerguer. E essa é a nossa missão aqui".
Para exemplificar o que disse, o Force Commander frisou: "No começo da Minustah, tínhamos o papel de manter a ordem. Hoje, a menina dos olhos da missão é a Engenharia. Tanto que o contigente de 730 engenheiros enviados para cá pós-terremoto foi mantido na última resolução da ONU, emitida em 15 de outubro. Ou seja, os seis batalhões de engenharia que atuam hoje no Haiti não serão mexidos. Ao mesmo temos, como as cidades já estão mais pacificadas, tivemos que cortar 1.600 infantes". Desse contigente de infantaria, 288 serão de brasileiros.
Indagado se poderia dar uma estimativa de tempo de permanência da Minustah no Haiti, o general de pronto respondeu: "Isso é impossível de calcular. Estamos fazendo o nosso papel, que é ajudar este país a retomar a democracia. Ainda estamos aqui por causa da fragilidade do sistema local. Temos que pelo menos dobrar o efetivo da Polícia Nacional Haitiana (PNH), que hoje é de apenas 10 mil homens. Só isso vai nos demandar muito tempo".
Pelas ruas de Porto Príncipe, há várias pichações "Aba Minista" (Abaixo Minustah, em crioulo). Também perguntamos ao general Ramos o porquê dessas pichações. "Isso tem uma conotação política. Alguém está querendo usar a missão para se promover. E quem faz isso se esquece que só estamos aqui porque o próprio Haiti foi quem assinou um tratado com as Nações Unidas. Temos o suporte do Conselho de Segurança e vamos continuar aqui pelo tempo que for necessário", concluiu.
Comandante militar da Minustah tem raízes no RN
"Meu pai foi um simples agricultor no sítio Encampinado. Ele ter hoje um neto comandando uma missão tão importante é uma glória para toda a família". A declaração é do aposentado Severino Batista Pereira, de 71 anos. Ele é tio do general de brigada Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, que desde abril passado comanda os 6.700 militares que compõem a Minustah.
O general Ramos, carioca de nascimento, ainda tem muitos familiares no Rio Grande do Norte. O pai dele, Arthur Batista Filho, é natural de Timbaúba dos Batistas, cidade seridoense distante 282 quilômetros de Natal. Muitos tios e primos ainda vivem em Timbaúba. Outros moram em Caicó.
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE foi a essas duas cidades na semana passada conhecer alguns dos familiares do comandante da Minustah. "O Arthurzinho era nosso irmão mais velho, tendo nascido de um primeiro relacionamento do meu pai. A companheira do meu pai morreu quando o Arthurzinho ainda era novinho e ele resolveu se casar novamente quatro anos depois. Já rapaz, o Arthurzinho resolveu tentar a vida no Rio de Janeiro, ingressando no Exército brasileiro", relembrou o agricultor Alceu Batista Pereira, de 83 anos, tio do general Ramos.
O também agricultor aposentado Alcyr Batista disse que o irmão Arthur logo fez carreira e ascendeu no Exército. "Meu irmão era muito inteligente e rapidamente se tornou oficial. Mesmo muito ocupado no Rio, sempre vinha nos visitar aqui em Timbaúba".
Arthur Batista Filho morreu vítima de um atropelamento em 1997. A mãe do general Ramos também é falecida.
O fato de ter perdido o pai reforçou o laço entre o general Ramos e o lado paterno da família. "Depois que meu tio morreu, o Ramos já veio aqui nos visitar quatro vezes. Ele sempre fica aqui no sítio Encampinado, passando alguns dias na casa de um tio e de outro, para poder rever todo mundo", falou a bordadeira Sueyla Pereira.
O general Ramos é o orgulho da família de sertanejos. "Sou muito próximo ao Ramos porque morei muito tempo com meu irmão no Rio de Janeiro. Eu praticamente o vi crescer e, quando o Arthurzinho faleceu, o próprio Ramos me procurou e disse que daquele dia em diante eu seria o segundo pai dele. Isso muito me orgulha, porque é uma glória para nossa família ter um homem de bem, que serve ao nosso país, comandando uma missão de paz da ONU. Ele é meu sangue no Haiti", concluiu.
TRIBUNA DO NORTE/montedo.com