Julgamento militar é posto em debate
"Geralmente, os tribunais militares acabam inoculados de uma visão autoritária e de estado de exceção."
O julgamento de civis pela Justiça Militar em tempos de paz está em debate nos Poderes Judiciário e Legislativo. A jurisdição é questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e por parlamentares tendo como base recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos contrária à prática. O Superior Tribunal Militar (STM) tem contraproposta: apenas juízes de Direito que atuam na Justiça Militar analisariam o caso de civis. Segundo dados do STM, de 2002 a 2012, foram recebidas denúncias contra 2.555 civis, 13,5% do total de processos autuados.
O tema foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por ação da PGR, que busca derrubar artigo do código penal militar, de 1969, que autoriza esses julgamentos. Entre os argumentos, o fato de o artigo não ter sido recepcionado pela Constituição de 1988 e a questão de que, na primeira instância, há apenas um juiz de carreira, e militares são chamados a compor um conselho sem ter princípios da magistratura, como a vitaliciedade e estabilidade. Coordenador do grupo de trabalho Justiça de Transição, o procurador da República Ivan Cláudio Marx observa que, nas justiças militares estaduais, foi retirada a jurisdição sobre civis por meio de uma emenda constitucional de 2004.
"É preciso dar um tratamento isonômico", sustenta.
O tema também é debatido em 'habeas corpus', no qual o ministro Gilmar Mendes propôs como solução que um juiz auditor de carreira na Justiça Militar analise sozinho o caso dos civis. Esse processo ainda será analisado em plenário, mas o STM se antecipou e encaminhou proposta nestes termos ao Congresso em junho.
A presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha, destaca que, apesar de o código em vigor ser do período da ditadura militar, a Justiça especializada nessa área existe desde 1808. Ressalta a celeridade na tramitação dos processos, que tem a tramitação concluída da primeira instância ao último recurso, em média, em oito meses. Diz ainda que, com o uso constante das Forças Armadas como contingente adicional na área da Segurança Pública, o julgamento de civis é necessário para garantir reciprocidade de tratamento:
"Não podemos ter uma situação em que, quando um civil agride um militar, vai para a Justiça comum; mas se o militar toma a mesma atitude, é julgado pelo direito penal militar. Essa desproporcionalidade na reprimenda pode fazer com que o militar fique com medo de agir por não saber como será a reação do outro lado."
Para o procurador Ivan Cláudio Marx, a proposta não é suficiente. Ele ressalta que recursos seriam encaminhados a órgãos nos quais os militares são maioria. No STM, por exemplo, são cinco civis e dez militares. A presidente da Corte sugere como saída a formação de turmas exclusivas de juízes civis para analisar os casos.
Autor de um projeto no Congresso para impedir o julgamento de civis pela Justiça Militar, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que esses tribunais levam para o julgamento princípios da caserna e não seriam o foro adequado:
"Geralmente, os tribunais militares acabam inoculados de uma visão autoritária e de estado de exceção."
A presidente do STM diz que críticas como essas são fundadas no preconceito contra o meio militar e afirma que a Justiça especializada atua de forma independente. O CNJ também debate o tema, mas, devido à transição no comando de Joaquim Barbosa para Ricardo Lewandowski, o órgão não quis se pronunciar.
Agência O Globo/montedo.com