Ruth Costas - O Estado de S.Paulo
A base das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) desarticulada em Manaus no mês passado é apenas uma pequena ponta da extensa rede que a guerrilha tem mantido no Brasil para vender drogas e abastecer-se de todo o tipo de insumos e produtos - incluindo armamentos, trocados por cocaína com traficantes de São Paulo e Rio.
Poucos meses depois de deixar a guerrilha, um ex-comandante falou ao Estado em condição de anonimato e confirmou que as Farc atuam no Brasil desde os anos 90. Na última década, a guerrilha tem expandido suas operações no País. As informações foram confirmadas por fontes da inteligência colombiana.
"Carlos" - o nome é fictício - passou mais de 15 anos trabalhando para as Farc em território brasileiro ou na região de fronteira, onde era um dos responsáveis pela venda de cocaína e troca do produto por armas. Tinha dezenas de subordinados e diz já ter participado de negociações que envolviam mais de R$ 5 milhões.
Ele chegou a viver alguns anos em Manaus a serviço da guerrilha e conheceu o traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar. Há menos de seis meses, desertou para "viver uma vida normal e rever a família", sendo incluído no programa para desmobilizados ligado ao Ministério de Defesa colombiano.
Hoje, vive sob proteção das forças oficiais. Recebe alojamento, comida e assistência médica do governo enquanto espera os certificados de que não cometeu crime de lesa-humanidade - sequestro e homicídio agravado - e, portanto, pode ser indultado.
Em dois encontros de cerca de quatro horas em Bogotá, ele relatou, em português, que as Farc mantiveram e financiaram, nos últimos anos, algumas dezenas de guerrilheiros infiltrados em cidades do norte do país para fazer a ponte com os compradores e estudar.
Ele mesmo teria conhecido alguns desses "bolsistas" das Farc. "O objetivo é que eles aprendam português e saibam mais sobre o Estado e a sociedade brasileira", disse. "Além disso, apresentar-se como estudante é um bom disfarce." Agentes da inteligência colombiana dizem que a prática é comum em vários países.
De acordo com Carlos, além desses guerrilheiros infiltrados, que recebem do grupo cerca de R$ 20 mil a cada três meses, também há pelo menos outras duas bases das Farc em Manaus, como a que foi descoberta pela Polícia Federal. "Duas que eu tenha conhecimento, com cerca de cinco pessoas operando em cada. Mas podem ser mais", afirmou.
Segundo Carlos, as redes estariam se expandindo no Brasil por uma questão de mercado. "Pelo quilo da cocaína pura, conseguimos R$ 50 mil no Brasil. Na Colômbia, obtemos R$ 15 mil. Na Venezuela, não mais do que R$ 25 mil. Pela pasta de coca, nos pagam R$ 20 mil no Brasil. Na Colômbia, R$ 3 mil. Na Venezuela, R$ 12 mil."
Também há outras duas razões para a expansão. Primeiro, a política de segurança do governo Álvaro Uribe empurrou a guerrilha para locais isolados, como a fronteira. Com isso, os países vizinhos se tornaram importantes fontes de abastecimento de armas e insumos. O segundo fator é que o mercado europeu está conquistando cada vez mais peso, enquanto o dos EUA está saturado. E o Brasil está na rota para a Europa.
PARA LEMBRAR
''Estado'' mostrou base em Manaus
No dia 16, o Estado teve acesso a um relatório sigiloso produzido pela inteligência da Polícia Federal (PF), afirmando que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) violam a fronteira Colômbia-Brasil e usam o território brasileiro para seus negócios. José Samuel Sanchez, o "Tatareto", apontado como integrante da comissão de logística e finanças da Frente 1 das Farc, foi preso sob a acusação de operar uma base de rádio e de controlar rotas do tráfico de drogas e suprimentos da guerrilha no Brasil. O governo da Colômbia já pediu a extradição do narcotraficante.