EDITORIAL
Seja qual for o tipo de ameaça a ser enfrentada pelas Forças, permanece presente a indiscutível necessidade de prepará-las para a missão. Renova-se o antigo ditado: se queres a paz, prepara-te para a guerra.
A queixa é antiga e justificada por uma realidade indiscutível: as Forças Armadas brasileiras estão com os poucos equipamentos de que dispõem em estado de obsolescência ou de pré-sucata. Pelo menos desde a década de 80, com o fim do regime militar e o crescimento das dificuldades econômicas do país, o governo deixou de investir no setor de modo a mantê-lo, pelo menos, atualizado. Os recursos destinaram-se quase tão somente ao custeio das estruturas do Exército, Marinha e Aeronáutica. Em vista disso, diante da pressão da caserna e da evidente necessidade de reaparelhamento e modernização das três Forças, o Ministério da Defesa apresentou à presidente Dilma Rousseff um plano de investimentos da ordem de R$ 397 bilhões a serem aplicados até 2030 na compra de blindados, aviões, navios, submarinos e outros equipamentos. Num país tão carente de recursos para enfrentar os enormes desafios diretamente vinculados à promoção do desenvolvimento econômico e social, seria razoável empregar tão enorme soma em fins militares de duvidosa utilidade? Essa é a primeira pergunta que ocorre ao cidadão comum, mas que suscita também opiniões contrárias e favoráveis, reflexão e debate nos centros decisórios que, em breve, terão de dar a palavra final.
As primeiras críticas surgidas ao projeto dizem respeito à oportunidade e utilidade do investimento. Argumenta-se, por exemplo, com o fato de o Brasil não ser potencialmente alvo de ataques externos que exigissem o emprego de forças como as planejadas. Não há entre nossos vizinhos mais próximos nem motivos, nem poderio bélico, nem disposição para um eventual enfrentamento no campo militar. Logo, os R$ 20 bilhões na média anual propostos ao reaparelhamento militar seriam melhor aplicados para cobrir necessidades mais prementes nos campos social e de infraestrutura civil, como rodovias, ferrovias, portos, aeroportos.
Há os que enxergam a questão de outro modo, sob o prisma da “nova guerra” que o Brasil tem de enfrentar cotidianamente – a guerra contra o tráfico de armas e de drogas que encontra nos milhares de quilômetros de fronteiras desguarnecidas toda a facilidade para se expandir. São essas fronteiras a porta de entrada que alimenta a violência urbana e que faz subirem os índices de criminalidade de modo alarmante. Exército, Marinha e Aeronáutica, convenientemente equipados, poderiam reduzir drasticamente tais ameaças.
Argumentam também os defensores da modernização das Forças Armadas com o fato de o país estar prestes a dar um grande salto na exploração petrolífera em alto-mar em razão da descoberta das reservas do pré-sal. Guardar militarmente a segurança das instalações oceânicas será, portanto, uma providência inevitável – o que implica o emprego maciço da Marinha e da Aeronáutica, hoje incapazes de cumprir esta missão a contento.
A discussão que se processa vai muito além da simples visão do quão defasadas estão as Forças Armadas em matéria de equipamentos. No fundo, discute-se o papel que elas devem exercer – se devem ser mantidas como aptas para a guerra entre nações, enfrentando forças militarmente organizadas, ou se devem ser empenhadas em misteres que, por vezes, se assemelham mais aos próprios das polícias civil e militar.
Seja qual for o tipo de ameaça a ser enfrentada pelas Forças, permanece presente a indiscutível necessidade de prepará-las para a missão. Renova-se o antigo ditado: se queres a paz, prepara-te para a guerra.
GAZETA DO POVO (PR)