Vera Araújo - enviada especial
PORTO PRÍNCIPE - Ao descer pelas vielas das favelas do Haiti, os militares do Exército brasileiro que integram a Minustah, a força de paz da ONU no país, têm como meta principal manter a segurança dos moradores. Nada diferente do trabalho que fazem para pacificar os complexos da Penha e do Alemão, em Ramos. É impossível evitar comparações entre o método adotado pelos “capacetes azuis” brasileiros nas comunidades de lá com o usado nas do Rio, como a forma de planejar as operações nas favelas daqui. Definitivamente, as comunidades do Haiti serviram de laboratório para a atuação do Exército nas favelas do Rio.
Na capital, Porto Príncipe, fica a maior favela do país, Cité Soleil, onde calcula-se que haja 300 mil moradores. Ali, o patrulhamento dos militares tem como objetivo prender integrantes de gangues que praticam roubos e assassinatos, com o máximo de cuidado para não ferir inocentes, assim como foi no Alemão. Nos complexos de favelas daqui, a preocupação é a mesma, mas há um ingrediente que complica ainda mais o trabalho dos militares: a existência de facções criminosas.
Favelas daqui têm menos problemas de infraestrutura
Guardadas as devidas proporções, nas favelas cariocas não há problemas tão sérios de infraestrutura como nas do Haiti, que, em 12 de janeiro de 2010, passou por um terremoto que matou cerca de 250 mil pessoas, e ainda está se reestruturando. Por outro lado, a questão da segurança preocupa tanto lá quanto aqui, ao ponto de o Haiti estar nas mãos dos 12.300 militares da Minustah, que começou a atuar no país em 2004. Deste total, 2.230 são brasileiros, o maior contingente internacional, com integrantes do Exército, em sua maioria, 309 fuzileiros navais e 32 da Aeronáutica.
Por ter um extensa costa, o Haiti está na lista negra dos países que servem de rota dos traficantes de drogas, cujo objetivo é chegar à América do Norte via Caribe, segundo documento do Departamento de Estado ao Congresso americano. Da mesma forma, para a diplomacia americana, o Brasil é peça central na rota do narcotráfico, segundo uma série de telegramas enviados de diversas embaixadas dos EUA e vazados pelo WikiLeaks. A existência de pistas clandestinas ao longo dos territórios brasileiro e haitiano é outro ponto a favor dos traficantes e contrabandistas. Mas a droga só passa por lá. Não há o consumo como no Rio, uma vez que a situação financeira da maioria do povo haitiano não é boa.
Apesar das diferenças topográficas, pois a maioria das favelas do Haiti é plana e o Alemão é um vale, a estratégia montada pelo Exército brasileiro é idêntica à aplicada nas favelas do Rio. Para o comandante do Batalhão Brasileiro 1 — há dois batalhões e uma Companhia de Engenharia do Exército brasileiro atuando no país —, coronel William Georges Abrahão, os criminosos do Rio são mais organizados do que os bandidos do Haiti:
— Não chega a ser uma organização criminosa como no Rio. A violência acontece aqui, muitas vezes, por fazer parte da cultura do povo. Alguns haitianos praticam o vodu (crença que combina elementos do catolicismo e de religiões tribais da África). Para alguns, matar uma criança carbonizada, porque nasceu com alguma deformidade física, é natural.
Os bandidos de lá como os do Brasil conhecem bem as leis. No Haiti, pelo mandato da Minustah, existem as chamadas regras de enfrentamento, uma espécie de regulamento que deve ser seguido por todos os integrantes da Força de Paz da ONU, sempre respeitando os direitos humanos. Há cerca de três semanas, militares brasileiros, durante uma patrulha em Cité Soleil, se depararam com uma situação de risco. Para fugir dos militares, um bandido atirou a esmo, atingindo uma menina de 11 anos. Quando os militares foram atrás dele, o criminoso jogou a arma no chão, virou as costas e saiu correndo.
— Não atiramos. A atitude da tropa, relatada por pessoas da comunidade que testemunharam o fato, foi a mais adequada. Numa região como essa, onde há muita gente nas ruas, uma ação desastrada causa danos colaterais profundos. Se a tropa reagisse e atingisse inocentes, isso destruiria o nosso trabalho de estabilização da paz que vem sendo feito desde 2004. Este caso da menina foi um fato isolado — comenta o comandante.
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