Capitão reformado que lutou na 2ª Guerra hoje dá palestras sobre os pracinhas
Carlos Herculano Lopes
Divaldo no museu da Associação de Veteranos, no Bairro Floresta, ao lado da
metralhadora alemã MG42, apelidada de Lurdinha por brasileiros
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Se o capitão Divaldo Medrado, que nasceu em Joaíma, no Vale do Jequitinhonha, a 692 quilômetros de Belo Horizonte, hoje tem uma vida tranquila, as coisas para o seu lado estiveram agitadas a partir daquele distante setembro de 1944, quando, após o Brasil ter declarado guerra aos países do Eixo (Itália, Japão e Alemanha), ele, então com 21 anos, seguiu para a Itália – já com o posto de sargento-comandante de grupo de combate – com o 11º Regimento de Infantaria de São João del-Rei. Viagem penosa, que começou no Rio de Janeiro, num navio do exército americano, o General Meigs, e terminou 14 dias depois, quando desembarcaram no Porto de Nápoles. “Foi uma travessia terrível, com o mar minado pelos alemães, os submarinos deles no nosso encalço, uma tensão tremenda. A gente enjoava muito”, lembra Medrado.
Destruição
Mas uma coisa, assim que pisou em solo italiano, antes mesmo de pensar em entrar em combate – as tropas brasileiras, comandadas pelo general Mascarenhas de Morais , foram incorporadas IV Corpo do 5º Exército americano –, o marcou profundamente: a visão, inesperada, de uma terrível destruição. De casas, prédios, estradas, pontes, cidades inteiras, tudo bombardeado pelos alemães. Outra situação era a fome do povo. Homens, mulheres e crianças, “num desespero”, disputavam de baganas de cigarros, que os pracinhas jogavam no chão, a pedaços de pão, restos de comida, barrinhas de chocolate. “Nunca eu poderia pensar que um dia iria ver uma coisa daquelas”, lembra o capitão. Logo em seguida, sob a tutela dos aliados americanos, que forneceram de armas a uniformes, começaram os treinamentos.
Se antes de seguir para a Itália, “da qual tinha apenas algumas informações”, o jovem Divaldo vivia tranquilamente aqui em Belo Horizonte, onde trabalhava na Livraria Oliveira Costa, na Rua da Bahia, naquele país as coisas mudariam para ele de forma drástica, da qual jamais irá se esquecer. Alguns meses após a chegada, à frente do grupo que comandava, composto de 13 homens, foi alvejado por uma rajada da metralhadora MG42 alemã, “Lurdinha”, para brasileiros, numa das primeiras tentativas de se tomar Monte Castelo. Recebeu 13 tiros: nos ombros, costelas, um no pescoço, que quase o matou. Ficou “lascado”, como se diz em Joaíma, e só não morreu, nem ficou aleijado, graças à madrinha das tropas brasileiras, Nossa Senhora das Vitórias, cuja imagem, venerada, está exposta no museu da FEB em BH.
Volta ao Brasil
A partir daquele dia, para seu desgosto, pois seus companheiros continuaram, o sargento Medrado, colocado fora de combate, foi internado num hospital de campanha, lá mesmo na Itália. Passou por várias cirurgias e dois meses depois de ferido estava de volta ao Brasil, para continuar o tratamento no Hospital Central do Exército, no Rio. Ao todo, tinha permanecido pouco mais de um ano em solo italiano.
Mas tão doloroso quanto receber aquela saraivada de tiros, lembra, foi quando viu – numa das várias escaramuças da qual participou com seu grupo – morrer a seu lado, sem que nada pudesse fazer, um dos seus comandados, o soldado Herculano Maba, do Paraná. “Ele ficou em cima de mim dentro de um buraco, o alemães atirando. Me sujei todo de sangue, e aquele foi um dos momentos mais marcantes da minha vida”, diz o capitão, que, mais de meio século depois, ainda se emociona ao recordar o episódio.
De volta à vida civil, Medrado se virou como pôde, como sempre havia feito desde a infância de menino pobre . Ainda novo, mas já julgado incapacitado para prosseguir na carreira militar devido os estragos feitos no seu corpo pela Lurdinha, de início trabalhou como vendedor de bebidas e alimentos, em BH. Algum tempo depois, quando as coisas melhoraram – e já casado com Maria do Carmo, com quem teve uma filha, que lhe deu três netos –, montou uma firma de representação, da qual ficou à frente até conseguir se aposentar também pelo INPS e incorporar uma grana extra ao soldo recebido como ex-combatente.
Sem nunca se esquecer da guerra, “que marca a gente para sempre”, o capitão Medrado, todas as manhãs, às 9h, deixa a sua casa, no Bairro de Lourdes, e vai para o Museu da Associação de Veteranos, no qual costuma passar boa parte do dia. Ali, quase sempre, além de fazer palestras para os visitantes – interessados em saber sobre a participação dos pracinhas na Segunda Guerra –, costuma se encontrar com companheiros de luta. Entre eles o tenente Geraldo Campos Taitson e o segundo-tenente Josino Aguiar, que aos 85 anos, é o “caçula” da turma. Também eles, como o capitão Medrado, “sentaram a pua nos alemães e fizeram a cobra fumar.”
Serviço
Museu da FEB
Avenida Francisco Sales, 199, Floresta, Belo Horizonte.
Horário de visitação, com entrada franca, de segunda à sexta, das 13 às 17h. Todo primeiro domingo de cada mês, de 9 às 13 h, acontece, em frente ao Museu, a cerimônia de hasteamento da bandeira nacional, com figurantes representando os ex-combatentes, e exposições de veículos militares. Informaç Informações: (31) 3224-9891 e telefax (31) 3222-8021.
Tiros e costura
Metralhadora MG42 - a 'Lurdinha' |
Entre as prováveis origens do apelido “Lurdinha”, que os pracinhas brasileiros deram à temida metralhadora alemã MG42, que fez tantos estragos entre as tropas aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, como ao capitão Medrado, conta-se que um dos integrantes da FEB, um soldado carioca, sempre vivia contando casos da sua namorada, uma costureira chamada Maria de Lourdes, pela qual era apaixonado. “Quando voltar, vou me casar com ela”, não se cansava de repetir aos seus companheiros. Então, quando no campo de batalha ouvia-se uma rajada da dita metralhadora, que mais se assemelhava ao som de uma máquina de costura, seus colegas diziam: “Olha lá a Lurdinha costurando, olha lá....”
2ª guerra mundial
Maior conflito armado da história da humanidade, que deixou um saldo de milhões de mortos e boa parte da Europa arrasada, a Segunda Gerra Mundial começou em 1939 e acabou em 1945, com a vitória dos países aliados, liderados pelos Estados Unidos, contra os países do eixo: Itália, Alemanha e Japão. Em 1942, o Brasil, governado por Getúlio Vargas, se declarou formalmente em guerra, devido ao torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães, pressão dos Estados Unidos e manifestações populares internas. Ainda em 1942, Vargas autorizou o uso de bases e portos das regiões Norte e Nordeste do Brasil pelas Forças Armadas Americanas. Mas as tropas da FEB (Força Expedicionária Brasileira), comandadas pelo general Mascarenhas de Moraes, só foram enviadas à Itália a partir de julho de 1944, apoiadas por unidades da Força Aérea Brasileiro (FAB). Com bravura, no que pese as adversidades às quais estiveram expostos, os pracinhas brasileiros conseguiram feitos memoráveis, como a tomada de Monte Castelo, Castelnuovo, Montese, entre outros redutos defendidos pelos inimigos. Também fizeram prisioneira a 148ª Divisão de Infantaria Alemã, com cerca de 20 mil homens, seu comandante-geral Otto Freter Pico e todo seu Estado-Maior.
em números
Pracinhas enviados à Itália 25.334
Prisioneiros capturados pelas tropas brasileiras 20.573
Integrantes da FEB aprisionados pelo inimigo 35
Mortos da FEB no teatro de operações da guerra 457
Mineiros integrantes da FEB mortos em combate 87
Número de feridos durante a guerra 2.722