Ministro fardado e eleitor de Serra em 2010, Jobim acumula histórico de atritos
Defesa aberta de setores conservadores das Forças Armadas em episódios da ditadura colocaram o ministro da Defesa em linha de tiro com colegas e a OEA
João Peres
Na entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, concedida na terça-feira (26), Jobim disse que avalia que, se o tucano tivesse vendido Dilma Rousseff, o governo seria "a mesma coisa" (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil - arquivo)
São Paulo – O ministro da Defesa, Nelson Jobim, declarou ter votado em José Serra (PSDB), adversário de Dilma Rousseff na eleição de 2010 na disputa pela Presidência da República. Ele era ministro de Luiz Inácio Lula da Silva e foi mantido no cargo no atual governo. Desde julho de 2007, quando assumiu, ele acumula um histórico de polêmicas.
Na entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, concedida na terça-feira (26), Jobim disse que avalia que, se o tucano tivesse vencido Dilma Rousseff, o governo seria "a mesma coisa", inclusive na ação para tirar suspeitos de envolvimento em corrupção no Ministério dos Transportes.
Filiado ao PMDB, Jobim foi escolhido por Dilma na "cota pessoal" da presidenta. Apesar de ser membro do partido que detém nove ministérios, a figura do ministro da Defesa chegava a ser tratada fora das contas de divisões entre as legendas que formam a base de sustentação do governo no Congresso Nacional.
Sentindo-se confortável como chefe imediato das três Forças Armadas, Jobim passou a utilizar farda com frequência e a comprar as brigas dos militares. Foi assim em episódios envolvendo as pressões da sociedade para que o Brasil alcance Argentina, Chile e Uruguai, julgando os crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-85) e passando a limpo os fatos ocorridos no período.
O ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi e até mesmo a Organização dos Estados Americanos (OEA) foram colocadas na linha de tiro de Jobim ao defenderem a criação da Comissão da Verdade e a invalidade da Lei de Anistia no perdão a torturadores.
Nomeado no momento em que a situação nos saguões dos aeroportos enfrentava seus piores dias, o peemedebista chegou ao cargo credenciado por um vasto currículo, que inclui os cargos de deputado constituinte, deputado federal, ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – indicado pelo ex-presidente tucano.
Jobim mantém-se há quatro anos no cargo bem avaliado pela caserna, mas sem emplacar um de seus principais projetos à frente da Defesa. Ele nunca conseguiu levar adiante sua intenção de compra de caças franceses, manifestada publicamente pela primeira vez em 2009. Com o corte orçamentário anunciado pelo governo federal em fevereiro, a aquisição ficou adiada por pelo menos mais um ano. Em 2011, sua pasta perdeu atribuições com a criação da Secretaria de Aviação Civil, vinculada à Presidência da República e com estatuto de ministério.
No começo do governo Dilma, o ministro voltou a expor divergências publicamente, novamente atacando Paulo Vannuchi por conta da criação da Comissão da Verdade. Enquadrado pela presidenta, unificou o discurso com a atual titular da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e passou a defender o tema sem manifestar abertamente. Dilma determinou também que o ministro desautorizasse qualquer afirmação de militares em defesa da ditadura, ponto de tensão durante o 31 de março, quando se relembra o dia do golpe de Estado.
Confira abaixo episódios que compõem o "currículo" de Jobim no cargo de ministro da Defesa:
Wikileaks
Documentos vazados pelo Wikileaks mostraram que a diplomacia dos Estados Unidos enxergava em Jobim um contraponto ao Itaramaty, considerado anti-norte-americano. Para a Embaixada em Brasília, o ex-ministro era "talvez um dos mais confiáveis líderes do Brasil". O embaixador Clifford Sobel anotou, em 2009, que Jobim havia confirmado o boato de que o presidente da Bolívia, Evo Morales, tinha um tumor no nariz – informação que causou uma saia justa à chancelaria brasileira após ser desmentida pelo país vizinho.
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Direitos humanos
As discussões em torno da terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) foram o ponto central do atrito entre Paulo Vannuchi, então titular da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, e Nelson Jobim. O ministro da Defesa fez coro às exigências dos militares para esvaziar de poderes a comissão, cuja criação ainda não recebeu aval do Congresso. Além da apuração sobre os crimes cometidos pelo Estado na ditadura, Jobim se opunha às sugestões sobre reforma agrária e aborto previstas no PNDH-3 que, por fim, acabou alterado. "Não é assim que se faz. Não é por imposição que essas coisas se resolvem. Uma coisa é defender uma tese, outra é gerir a coisa pública", atacava.
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Ditadura militar
Jobim sempre fez questão de dar tom acalorado aos debates sobre ditadura. No fim de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por não haver feito esforços para apurar o episódio da Guerrilha do Araguaia. A Corte determinou que não se utilizasse a Lei de Anistia como pretexto para não se punir os torturadores.
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Direito Internacional, não
O ministro reagiu afirmando que a decisão de 2009 do Supremo Tribunal Federal (STF) que via a anistia como fruto de amplo acordo da sociedade se sobrepunha ao Direito Internacional. Ele assegurou que não havia possibilidade de punição dos agentes da repressão. "O processo de transição no Brasil é pacífico, com histórico de superação de regimes, não de conflito. Isso nem sempre acontece nos países da América espanhola, muitas vezes pautados por situações de degola e pelo lema lucha hasta la muerte", alfinetou.
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OEA
A OEA se transformou em um dos alvos centrais do ministro. Em abril deste ano, a Comissão Interamericana concedeu medida cautelar que determinava a paralisação das obras da hidrelétrica de Belo Monte por considerar que havia uma série de violações. "A OEA que vá cuidar de outros assuntos", taxou Jobim, que defendeu que se ignorasse a determinação.
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Documentos secretos
Em sua linha de defesa dos militares, o ministro veio a público no fim do primeiro semestre deste ano para dizer que não há problemas em abrir os arquivos da caserna. A declaração se deu em meio à polêmica criada pelos ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor, que queriam que se mantivesse a possibilidade de renovação indefinida do sigilo de documentos classificados como ultrassecretos. A versão de Jobim não foi exatamente reconfortante a quem queria a abertura: "Não há documentos, nós já levantamos os documentos todos, não tem. Os documentos já desapareceram, já foram consumidos à época." A OAB pediu que se investigasse se Jobim falava a verdade.
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Idiotas
Durante a festa de 80 anos de Fernando Henrique Cardoso, Jobim disse: "Nunca o presidente levantou a voz para ninguém. Nunca criou tensionamento entre aqueles que te assessoravam". Para deleite da mídia, o discurso evocou ainda Nelson Rodrigues. "Ele dizia que, no seu tempo, os idiotas chegavam devagar e ficavam quietos. O que se percebe hoje, Fernando, é que os idiotas perderam a modéstia. E nós temos de ter tolerância e compreensão também com os idiotas, que são exatamente aqueles que escrevem para o esquecimento."
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Voto Serra 2010
Apesar de ministro da Defesa de Lula, Jobim admitiu ter votado em Jose Serra (PSDB) em 2010. Em entrevista a Fernando Rodrigues, ele disse que avalia que, se o tucano tivesse vendido Dilma Rousseff, o governo seria "a mesma coisa", inclusive na ação para tirar suspeitos de envolvimento em corrupção no Ministério dos Transportes. Só não disse se seria ainda ministro. Apesar disso, Jobim foi escolhido na "cota pessoal" da presidenta Dilma para o cargo.
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