Corrupção na caserna
TCU expõe fraudes no IME
Uma denúncia anônima, obtida pelo serviço de inteligência do Ministério Público Militar Federal, no Rio de Janeiro, em meados de 2009, que apontava irregularidades nas licitações, contratos e convênios travados entre o Departamento de Engenharia e Construção (DEC), subordinado ao Instituto Militar de Engenharia (IME) do Exército, e o Departamento de Infra Estrutura Terrestre (Dnit) do Ministério dos Transportes, foram comprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), conforme o relatório obtido pelo site da CartaCapital.
Em mais de 100 páginas, assinadas por quatro técnicos do tribunal, encaminhadas à Procuradoria Geral da Justiça Militar fica comprovado o envolvimento do general Enzo Peri, comandante do Exército chefiava o IME (2004/2005), além de outros seis generais, outros oficiais e inúmeros civis numa amplitude de irregularidades jamais constatada em organismos militares.
“Chama a atenção que vários dos contratos – decorrentes das dispensas de licitação – foram pagos com celeridade incomum, no mesmo dia da ratificação contratual, a exemplo do Contrato 10/2005, ratificado pelo General Enzo Martins Peri em 23/12/2005 e com pagamento imediato de R$ 2.300.000,00 na mesma data, exclusivamente com base em declaração formal do Coronel Dias Morales de que os estudos e serviços de engenharia haviam sido executados. Tal situação revela, ao menos, um descontrole na realização de pagamentos antecipados”, constata as investigações do TCU, concluídas no dia 21 de Junho de 2011. “A ratificação dos referidos processos resultou na contratação da Fundação Ricardo Franco para estudos da BR-101, que foram subcontratados às empresas fraudulentas”.
O TCU aponta para “a conduta culposa dos dirigentes máximos do IME e do DEC”. Os técnicos apontam que “a conduta omissiva do gestor proporcionou que funcionários, sob sua supervisão, praticassem atos desabonadores da função pública, propiciando a ocorrência de diversas irregularidades”. Assim, concluíram que “houve fraude generalizada, mediante conluio entre militares e empresas de fachada controladas pelo Major Washington Luiz de Paula, para frustrar o caráter competitivo da licitação, em pelo menos 200 processos licitatórios promovidos pelo IME e pelo DEC, no período de 2003 a 2009.
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Algumas conclusões do TCU a respeitos dos procedimentos licitatórios do DEC:
- A maioria absoluta das empresas contratadas era controlada pelo Major Washington Luiz de Paula;
- Nenhuma das empresas suspeitas aparece creditada nos estudos técnicos apresentados ao DNIT como produtos dos convênios;
- Os serviços contratados não foram realizados. Alguns serviços especializados, como radargrametria, por exemplo, são inexistentes. Foram utilizados bancos de imagens públicos que se encontravam disponíveis em bases públicas como IBAMA e IBGE;
- Diversas instituições de ensino (Universidade Federal do Pará, Universidade da Região de Joinville, etc) foram as verdadeiras autoras dos estudos contratados por meio de termo de cooperação ou instrumento similar.
O relatório identificou também “desvio de recursos dos convênios repassados à Fundação Ricardo Franco-FRF. A lesão aos cofres públicos se materializou, essencialmente, de três maneiras distintas:
- Indenização por serviços não realizados (situação encontrada, por exemplo, no Convênio DNIT-IME PP-190/2003);
- Pagamento em duplicidade. A Fundação recebeu recursos para execução de serviços que, de fato, foram realizados pela Univille no âmbito de contrato distinto celebrado pelo DEC (Convênio DNIT-IME PP-211/2004);
- Contratos superfaturados. A FRF recebeu recursos para execução de serviços e realizou subcontratação por valores muito inferiores (Convênio DNIT-IME PP- 207/2004-1);
Segundo o TCU, o volume de recursos fiscalizados alcançou o montante aproximado de R$ 258.400.000,00. E os técnicos se alarmaram: o montante de recursos comprovadamente desviados dos convênios por meio dos convites fraudados e dos contratos com a Fundação Ricardo Franco atingiu o valor histórico de R$ 15.731.972,66.
Foi constatado pelo tribunal que entre 2006 e 2010, o montante de recursos envolvidos nos convênios da Fundação Ricardo Franco atingiu o montante de R$ 180 milhões para execução dos mais diversos serviços: “O principal concedente identificado foi o Departamento de Ciência e Tecnologia – DCT, ao qual o IME é subordinado”.
Abaixo, trechos do relatório do TCU:
- Com relação à atual Administração do IME, na fase de execução da fiscalização naquela Organização Militar e após exame dos procedimentos licitatórios ocorridos nos últimos 2 (dois) anos, verificou-se a prática reiterada de irregularidades que resultaram no direcionamento de várias licitações à empresa Novo Ambiente. O sócio desta empresa, Marcelo Cavalheiro, foi indiciado no IPM, juntamente com o Major Washington, por formação de quadrilha, entre outros crimes.
- O valor total dos contratos firmados pelo IME com a Novo Ambiente nos últimos 2 (dois) anos foi de aproximadamente 3 milhões, o que representou 76 % dos recursos empregados em todas as contratações realizadas pela Organização Militar no período.
- Fraude generalizada, mediante conluio entre militares e empresas de fachada, controladas pelo Major Washington Luiz de Paula, para frustrar o caráter competitivo da licitação, em pelo menos 200 processos licitatórios promovidos pelo Instituto Militar de Engenharia – IME e pelo Departamento de Engenharia e Construção – DEC, no período de 2003 a 2009.
- No que concerne ao modus operandi das fraudes, importa salientar que a partir de 9/12/2003 os responsáveis lançaram mão de manobra com o nítido propósito de encobrir o relacionamento ilícito entre o major Washington e as empresas em questão, uma vez que o referido militar foi excluído da CPL e passou a atuar como Adjunto do Coronel Paulo Roberto Dias Morales na Assessoria da Coordenação dos convênios firmados entre o DNIT e o IME, conforme Boletim Interno 233-IME (fls. 54 – Anexo 1).
- (…) chama a atenção que o orçamento do IME – que antes girava em torno de R$ 6 milhões – atingiu apenas em 2004 a quantia de quase R$ 23 milhões, dos quais pelo menos 65% são relativos aos convênios DNIT/IME. A esse respeito, insta consignar que quase todos os gastos registrados nos Elementos de Despesa 51 – Obras e Instalações e 39 – Outros Serviços de Terceiros foram direcionados pelos responsáveis às empresas ligadas ao Sr. Washington no período 2004/2005, sem que tenha sido encontrado qualquer indício da entrega dos objetos contratados, de acordo com a seguinte distribuição financeira:
- O Controle Interno já havia alertado quanto à ilegalidade das contratações diretas da FRF pelo próprio IME, ao qual a Fundação presta apoio, o que resultou na anulação das Dispensas de Licitação 329/04, 330/04 (ambas referentes a projetos da BR-101 sul) e 331/04 (relativo ao Plano Diretor Estratégico Nacional de Pesagem) e na devolução de R$ 5.211.975,82 aos cofres públicos, por pagamento de serviços não realizados (fls. 71/132 – Anexo 1);
- O próprio General-de-Exército Alberto Mendes Cardoso – que exercia a função de Chefe da então Secretaria de Ciência e Tecnologia – SCT, à qual o IME era subordinado à época – reconheceu que a FRF não dispunha de quadros técnicos para a execução dos trabalhos do DNIT e que eventuais subcontratações constituiriam burla ao processo licitatório e grave risco de dano ao erário (fls. 622 – v.3 do Anexo 1);
-(…) por iniciativa do General Geraldo Silvino Soares da Silva, que deixou o comando do IME em 24/4/2005 para posteriormente assumir a Vice-Chefia do DEC, contrariando a posição da SCT, o DEC assumiu a execução dos convênios DNIT/IME em andamento, sistematizando a contratação direta da Fundação Ricardo Franco para fins de burla ao processo licitatório (fls. 572 – v.3 do Anexo 2);
- (…) pode-se dividir a fraude ora analisada em três cenários distintos, abaixo esquematizados, tendo por base o órgão executor da despesa, a origem dos recursos, as empresas contratadas e o período da ocorrência, tudo permeado pela atuação de militares da gestão administrativa do IME e do DEC, capitaneados pelo Major Washington e pelo Coronel Dias Morales, em associação com as empresas controladas pelo referido major, bem assim com a direção da Fundação Ricardo Franco, cuja administração está a cargo de militares da reserva, em especial daqueles originários do próprio IME, inclusive de seus ex-comandantes.