28 de dezembro de 2011

MILITARES ENVOLVIDOS EM MORTE DE JOVEM NA VILA CRUZEIRO SÃO AFASTADOS DO PATRULHAMENTO

Militares são afastados após morte de jovem na Vila Cruzeiro

Antônio Werneck
 O Comando Militar do Leste (CML) do Exército informou na terça-feira que os oito militares envolvidos na morte de um adolescente de 14 anos, na Favela da Vila Cruzeiro, na Penha, foram afastados das ruas e vão responder a um inquérito policial-militar (IPM). Segundo o Exército, as armas dos militares foram recolhidas e passarão por perícia. A morte de Abraão da Silva Maximiliano, na noite de segunda-feira, ocorreu, ainda de acordo com o CML, durante um confronto. Parentes da vítima e vizinhos que presenciaram a cena, porém, negam a versão e garantem que o jovem estava sozinho numa praça da comunidade quando foi baleado e morto por um militar.
O local foi examinado por peritos do Exército e do Instituto de Criminalística da Polícia Civil. Segundo a Força de Pacificação do Exército, que atua nos complexos do Alemão e da Penha, o adolescente estava com outros dois suspeitos, que atacaram a tiros uma patrulha da Força de Pacificação, na área conhecida como Mirante da Chatuba.
- Meu sobrinho não é bandido, era uma criança e estava apenas descansando quando foi atacado. Foi uma covardia. Até agora ninguém do Exército nos deu qualquer explicação, não apresentaram os suspeitos nem apreenderam armas com ninguém. Só queremos justiça - disse Eliane Lopes, tia do jovem.
Abraão foi baleado na barriga, por volta das 21h30m. Socorrido por uma ambulância militar, ele chegou morto ao Hospital Getúlio Vargas, segundo funcionários da unidade. Não foram apreendidas armas com o adolescente. Em seguida, um grupo de cerca de 20 moradores da Vila Cruzeiro foi para a porta do hospital, protestar contra a ação do Exército. Na tarde da terça-feira, o grupo fez nova manifestação, desta vez em frente à sede da Força de Pacificação, na Vila Cruzeiro, com cartazes pedindo paz e justiça.
O coronel Malbatan Leal, chefe de comunicação social da Força de Pacificação, contou que a troca de tiros começou depois que os suspeitos foram chamados para uma revista. Armados de pistolas, eles atiraram contra os militares, segundo o coronel. No início, ainda de acordo com Leal, a patrulha reagiu com dois disparos de advertência para o alto e balas de borracha:
- Sempre lamentamos qualquer perda, em qualquer circunstância. Só atiramos contra os bandidos por autoproteção, quando dispararam em direção à patrulha.
Órfão de pai e mãe, Abraão morava na favela com a irmã, Jéssica da Silva Maximiliano, de 20 anos. Ela conta que estava acordada esperando o jovem para jantar, quando foi informada por vizinhos sobre o episódio. Ela recolheu projéteis que foram disparados:
- Estou inconformada. Meu irmão era uma criança inocente, que nunca fez nada para ninguém. Na mesma hora que me contaram que ele foi baleado, corri ao seu encontro e o vi já dentro do carro dos militares, ainda vivo. Ele estava respirando, e ninguém me deixou chegar perto. Fui para o hospital e, apenas uma hora depois, os militares levaram o corpo.
Primo da vítima diz ter sido ameaçado por militares
Primo do jovem, Wellington Alves da Silva, de 20 anos, disse que também ficou na mira do fuzil dos militares. Segundo ele, uma vizinha o salvou ao sair em sua defesa e pedir apoio para outros moradores.
- Joguei bola com meu primo e fui em casa tomar banho. Ele ficou na pracinha me esperando. Quando voltei, ele estava sendo revistado e, em segundos, ouvi uma rajada de balas. Corri na direção dele. Cheguei perto do corpo e fui rendido e obrigado a deitar no chão. O militar apontou o fuzil para minha cabeça e disse que ia me matar também, pois era uma testemunha. Meu primo estava caído, sangrando, mas respirava. Achei que ia morrer - contou, acrescentando que Abraão sonhava em ser jogador de futebol e que queria se alistar no Exército.
Apesar da sindicância aberta, a Força de Pacificação não descarta a chance de o menor ter sido atingido acidentalmente pelos suspeitos que o acompanhavam. O caso foi registrado na 22 DP (Penha). A comunicação social da Força informou que será mantido o cronograma e que apenas em junho o Exército deixará a comunidade, para instalação de uma UPP. A Secretaria de Segurança Pública informou, por meio da assessoria de imprensa, que cabe ao Exército se manifestar sobre o episódio. O comandante das UPPs, coronel Rogério Seabra, também se manifestou pela assessoria: "Nosso engajamento na região já tem mais de um ano. A interação da comunidade tem sido boa. Moradores contam que nunca tiveram um Natal tão tranquilo. Mesmo assim, a sindicância foi aberta para esclarecer de que arma partiu o tiro".
Três civis mortos
Desde 2003, este foi o terceiro caso de morte de um civil em episódios envolvendo militares das Forças Armadas. Naquele ano, homens do Exército mataram o professor de inglês e advogado Frederico Branco de Faria, de 56 anos, numa blitz realizada na Avenida Martin Luther King, em Tomás Coelho. Acompanhado da namorada, o advogado teria tentado furar o bloqueio feito pelo Exército e por policiais do 3º BPM (Méier). O Comando Militar do Leste informou, na ocasião, que o advogado tentara atropelar um oficial que estava no meio da rua.
Outro caso de violência contra civis aconteceu no Morro da Providência, em 2008. Três jovens se revoltaram durante uma revista, feita por homens do Exército que patrulhavam a região, durante a implantação do projeto "Cimento Social", do governo federal (que previa melhorias em 782 imóveis na comunidade). Como resposta, eles foram levados por um grupo de 11 militares para o Morro da Mineira e entregues a traficantes de uma facção rival ao da Providência. No local, os jovens foram barbaramente torturados e assassinados com 46 tiros. Um deles teve as mãos decepadas antes de ser morto.
Durante a retomada do Complexo de favelas do Alemão, em novembro de 2010, pelo menos um homem morreu ao ser atingido por uma bala perdida durante um intenso tiroteio. Ele foi atingido na barriga, na Estrada do Itararé, ao sair de casa para comprar o presente de aniversário do filho caçula, que completava 1 ano.
O GLOBO/montedo.com

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