Causo domingueiro
Esta é antiga, mas é boa. Sempre é bom relembrar esta que foi a maior das tantas desventuras do Juvêncio, "o taura do Jarau". Boa leitura
Ricardo Montedo
Se, algum dia, tivesse que se aplicar a um indivíduo a expressão “grosso da tropa”, usada em linguagem tática para definir o efetivo mais numeroso, sem dúvida essa pessoa seria Juvêncio, índio taura saído direto das furnas do lendário cerro do Jarau para servir no 155RC, de Quarai, fronteira com o Uruguai.
Grosso, mas muito dedicado. Afeito à dura rotina das lides campeiras, desde recruta mostrou-se um bom soldado. Em pouco tempo, conquistou as divisas de cabo e, logo em seguida, passou no concurso para sargento.
Bueno, naquela época, o sonho de todo cabo recém promovido era casar e comprar uma bicicleta, não necessariamente nessa ordem.
Como ia para a escola de sargentos, Juvêncio deixou a bicicleta pra depois e voltou ao Jarau para casar com Ledi, sua noiva desde os quinze anos.
Assim seguiram os dois, jovens e simplórios, para Minas Gerais, onde o ano de curso transcorreu sem problemas, além do convívio com o “mundo civilizado” ter servido para dar um certo verniz cultural ao Juvêncio, sem bem que nem dez anos em Paris conseguiriam domar aquele índio bruto saído dos grotões da campanha gaúcha. Muito embora, a essa altura, o dito já fizesse o tipo “grosso desembaraçado”.
Este fato deu-se quando os dois retornavam de Três Corações, sede da Escola de Sargentos.
Era preciso ir até São Paulo para conseguir passagem para os pagos gaúchos. Esta era uma necessidade comum a toda a gauchada, centenas de sargentos recém formados e seus familiares, saudosos de seus lares e contando os minutos para abraçar os seus.
Com tanta procura, era natural que os ônibus lotassem depressa e faltassem passagens para muita gente. Foi o que aconteceu com o casal, que se viu, de repente, perdido numa manhã de novembro no imenso terminal rodoviário do Tietê, observando atônitos aquele mar de gente a ir e vir, sem saber o que fazer, já que só havia lugares vagos para o dia seguinte.
Foi quando, milagrosamente, Juvêncio divisou sobre um dos guichês um letreiro, anunciando uma linha de ônibus para Livramento.
- “Santana do Livramento”- pensou Juvêncio-“cidade vizinha de Quarai. Chegando lá, estamos em casa”.
Sem pestanejar, dirigiu-se ao guichê e inquiriu o funcionário:
- Tchê, tem passagem para Livramento?
- Sim, senhor.
- E a que horas sai o ônibus?
- Em meia hora, senhor.
- Que bueno! Quero duas passagens, então.
Satisfeito com sua esperteza, Juvêncio ainda zombou de alguns colegas que estavam na mesma situação, sem lhes dar o “mapa da mina”:
- Bando de bocós, consegui passagens para Livramento, daqui a pouquinho. Hehehehe.
- Como – perguntaram-se todos - se só havia ônibus para o dia seguinte?
O gauchão, entretanto, contou o “milagre”, mas não o “santo”, e embarcou com a mulher no ônibus sem que os demais percebessem, muito satisfeito com sua esperteza.
No primeiro dia de viagem, tudo tranqüilo, o cenário diferente não chegava a causar estranheza, pois ainda estavam longe dos pagos.
Na manhã seguinte, Ledi começou a sentir que havia algo errado, a paisagem parecia muito estranha, com muitas serras, altas montanhas vislumbradas ao longe, forte neblina, tudo muito diferente do que ela lembrava do caminho de ida.
- Negro, está tudo muito estranho. Será que nós não embarcamos no ônibus errado?
- Deixa de ser boba, mulher. Está diferente porque ainda estamos muito longe. Te aquieta, tchê!
Eis que no dia anterior, tinha falecido o famoso cantor gaúcho Teixeirinha e suas músicas estavam tocando no sistema de alto-falantes da estação de uma pequena cidade onde o ônibus fez uma parada.
Ao ouvir “Coração de Luto”, Juvêncio abriu um sorriso, de orelha a orelha:
- Tá vendo, mulher! Até música gaúcha está tocando. Estamos chegando no Sul!
Somente ao anoitecer, já atarantado pela insistência da pobre Ledi, nosso “grosso da tropa” invadiu a cabine e perguntou ao motorista:
-Tchê, afinal, quando vamos chegar no Rio Grande do Sul?
Atônito, o motorista respondeu:
- Meu senhor, deve haver algum engano, pois há duas horas entramos no estado da Bahia.
Foi só então que o infeliz Juvêncio descobriu que o BA do letreiro não era BAH! e que na Bahia também havia uma cidade com o nome de Livramento.
Nota do editor:
Tem muitas outras aventuras no Causos da Caserna, aí em cima.