30 de dezembro de 2012

Amazônia: "A marcha da insensatez" I

Luiz Eduardo Rocha Paiva*

Nos anos 1980, a historiadora Barbara Tuchman publicou o livro A Marcha da Insensatez – de Troia ao Vietnam, um best-seller mundial. Ela usou eventos históricos para mostrar como governantes criam condições objetivas para futuros desastres quando decidem movidos por ambições políticas e vaidades, sem compromisso com os anseios e necessidades de seus povos e nações.
Insensatez qualifica a política impatriótica dos últimos governos brasileiros, na Amazônia, mesmo cientes da secular cobiça de potências estrangeiras, manifestada em sucessivas tentativas de suprimir ou limitar a nossa soberania na região. Em 1817, Mathew Fawry, oficial da Marinha dos EUA, propôs a separação da Amazônia do Brasil e, em 1904, a Questão do Pirara resultou na perda de 19.600 Km2 do território nacional para a Guiana Inglesa, então colônia britânica. São apenas dois de muitos exemplos dessa cobiça.
A partir dos anos 1990 com a queda da URSS, os aliados da OTAN não tinham mais ameaça militar a seus territórios, ganhando liberdade de ação para se projetar em âmbito global. Cunharam então o conceito de novas ameaças, na verdade meros pretextos para justificar a expansão e impor globalmente seus interesses. Aí se insere a questão indígena. Líderes mundiais propuseram publicamente a ingerência internacional no aproveitamento das riquezas dos espaços pouco explorados de outras nações, tendo estadistas como Mitterand (1989), John Major (1992) e Gorbachov (1992) citado nominalmente a Amazônia. Hoje, as potências estrangeiras são mais sutis, usando ONGs, grupos privados e organismos internacionais como a OEA e a ONU na vanguarda, para pressionar pela autonomia das terras indígenas (TIs) brasileiras e impedir projetos nacionais de desenvolvimento na região. Querem preservar hoje para explorar amanhã, impondo acesso privilegiado aos recursos amazônicos à revelia dos interesses e direitos brasileiros.
Essa marcha da insensatez começou com a demarcação da TI Ianomâmi (1991) e prosseguiu com as do Alto Rio Negro (1998), Vale do Javari (2001), Tumucumaque (2002), Raposa Serra do Sol (2005) e Trombetas-Mapuera (2008) que cobriram, perigosamente, a fronteira ao norte e a sudoeste do rio Amazonas. Todas nos governos Collor, FHC e Lula. Em todo o Brasil, 608 TIs já ocupam 13% do território nacional, área igual às do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e sul de Minas Gerais somadas. Tudo para apenas 600 mil indígenas, separados dos 200 milhões de irmãos brasileiros pela política segregacionista de governos também complacentes com a campanha desnacionalizadora e separatista de ONGs estrangeiras em TIs, temerosos de reações internacionais.
A marcha avançou em 2007 quando o governo votou pela Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas na ONU, aceitando que eles tenham autogoverno, autodeterminação, instituições políticas e sistemas jurídicos próprios, constituam nações indígenas e vetem atividades militares e medidas de governo nas TIs. É autonomia superior à dos estados da Federação e, com 608 TIs, como ficará a governabilidade do País? O artigo 42 da Declaração prevê intervenção internacional para obrigar o seu cumprimento, agredindo soberanias e tornando inócuo o artigo 46 e suas fantasiosas garantias de integridade territorial e unidade política dos Estados. Estas se tornaram ilusórias para o Brasil após limitar a própria soberania reconhecendo, em seu interior, 608 nações indígenas, estrangeiras para a comunidade global que não reconhece o índio como brasileiro. Os indígenas já podem exigir o cumprimento da Declaração. Se não forem atendidos e se revoltarem, havendo repressão do governo, solicitariam a intervenção da ONU com base em Resolução de 2005 – “Responsabilidade de Proteger”. Povo, território, nação e instituições políticas praticamente formam um estado-nação.
A marcha foi reforçada, mais uma vez pelo governo, ao lançar o Programa Nacional de Direitos Humanos (2009), onde preconiza tornar constitucionais os instrumentos internacionais de direitos humanos não ratificados pelo Congresso Nacional. Se isso acontecer, caem as 18 ressalvas constantes na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da TI Raposa Serra do Sol, que resguardam a soberania nacional em todas as TIs. A Portaria nº 303/2012 da AGU, que regulamentaria essas ressalvas, foi suspensa pelo ministro da Justiça após as pressões de praxe. Uma decisão da mais alta Corte do País contestada com êxito por ONGs estrangeiras e movimentos internos. Um absurdo!
O senador roraimense Mozarildo Cavalcanti (Diário do Senado Federal, 23-09-2005, p. 31758) condenou a demarcação da TI Raposa Serra do Sol em terras contínuas e evidenciou a pressão internacional, reconhecida pelo então Presidente da República. Disse o senador: “O Presidente Lula, na última audiência em que tive com Sua Excelência, o Senador Augusto Botelho presente, o Governador do Estado, os deputados (---) perguntou: quantos eleitores têm em Roraima? (---) Sua Excelência balançou a cabeça e disse que estava sendo pressionado pela USP, pela OEA, pelas ONGs europeias”. A propósito, o Príncipe Charles, criador da ONG Prince's Rainforests Project, que promoveu diversos encontros na Europa com lideranças indígenas e políticos brasileiros, defendendo aquela demarcação em terras contínuas, foi recebido pelo Presidente de República às vésperas da reunião decisória do STF sobre o tema em março de 2009. Coincidência ou pressão?
A soberania na Amazônia já é limitada, de fato, coroando a marcha da insensatez empreendida por lideranças que colocaram projetos pessoais e vaidades acima do interesse nacional ou, com espírito mercantilista, negociaram soberania pensando gerar retorno econômico-financeiro ao País como se dignidade nacional fosse mercadoria de troca. A Nação, omissa, também é responsável.

*General da Reserva 
Professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército


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