General Fernando Azevedo e Silva diz que legislação brasileira é muito rígida na questão de repasse de recursos para convênios
Militar reconhece que, se houver déficit orçamentário, o governo vai arcar com os custos
General Fernando Azevedo e Silva: ‘A única coisa que não para é o relógio’ / Alexandre Guimarães / Divulgação |
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES
RIO - Na entrada do escritório do general Fernando Azevedo e Silva, presidente da Autoridade Pública Olímpica (APO), no 20º andar do prédio da Caixa Econômica Federal, na Avenida Almirante Barroso, no Centro, um grande cronômetro chama a atenção do visitante. Enquanto o país conta os dias para a Copa do Mundo, o relógio conta as horas, minutos e segundos para o dia 5 de agosto de 2016. Lá, todas as atenções estão voltadas para a data da abertura dos Jogos Olímpicos no Rio.
Ex-diretor do Departamento de Desporto Militar, o general Fernando Azevedo e Silva está no cargo há apenas seis meses. Seu papel é atuar como uma espécie de articulador entre os governos e o Comitê Rio 2016 para tentar fazer com que os projetos saiam do papel. Uma de suas primeiras atribuições foi fechar finalmente um orçamento público inicial de investimentos em infraestrutura e instalações esportivas de responsabilidade do governo. O general observa que, no orçamento do Comitê Organizador Rio 2016, não há, por enquanto, recursos públicos. No entanto, por obrigações legais, os governos terão que arcar com déficit orçamentário se as contas da entidade fecharem no vermelho após o evento.
Carioca e botafoguense, ele também é ex-atleta das seleções militares de vôlei e paraquedismo, além de ter presidido a Comissão Desportiva do Exército durante os preparativos para os Jogos Mundiais Militares de 2011.
O GLOBO - O Rio ganhou o direito de sediar as Olimpíadas em 2 de novembro de 2009. Por que apenas em abril deste ano foi divulgado um cronograma atualizado das obras e dos investimentos dos governos, em meio a críticas do Comitê Olímpico Internacional (COI) e de federações esportivas sobre a organização do evento?
FERNANDO AZEVEDO E SILVA - O Brasil tem experiência de organizar megaeventos como os Jogos Panamericanos e a Copa do Mundo. Mas é a primeira vez que a América do Sul vai organizar uma Olimpíada. De todos os eventos, é o mais complexo. Na Copa se fala em estádios, no padrão Fifa. Nos Jogos Olímpicos, é o padrão de 42 federações esportivas internacionais tendo que ser adaptado ao padrão COI. Isso sem falar nas modalidades paralímpicas. Cada entidade quer o melhor para o seu esporte. Os governos querem fazer o possível, pensando no melhor legado.
O GLOBO - A impressão que se tem é que, desde 2009, os governos demoraram a se articular. A própria estrutura da APO mudou várias vezes. Nomes cotados para o posto foram descartados, desistiram ou ocuparam o cargo interinamente. Antes de o senhor assumir, um deputado federal chegou a intervir em negociações da APO para a prefeitura conseguir que o Exército liberasse a passagem do BRT Transolímpico por um terreno militar, em Magalhães Bastos.
AZEVEDO E SILVA - Não queria olhar para trás. Quero olhar na minha gestão. Estou há seis meses. Não acompanhei esse processo. A única coisa que não para é o relógio. Aquele relógio que fica na entrada do escritório é um martírio para mim. Quando assumi, estávamos próximo dos 1.000 dias. Já vamos entrar na casa dos 700. O tempo não para.
O GLOBO - Mas não teria sido possível fechar com mais antecedência os convênios e parcerias? Os convênios do Ministério do Esporte para repassar recursos para a prefeitura construir o Parque Olímpico da Barra, por exemplo, foram assinados só no segundo semestre do ano passado.
AZEVEDO E SILVA – O problema não é a falta de diálogo. É preciso ver que a legislação brasileira é muito rígida para repassar recursos em convênios. Um processo desses envolve muitos atores. Além disso, a 8666/93 (Lei de Licitações) impõe uma série de restrições para compras públicas.
O GLOBO - Mas havia opções. Quando o Regime Diferenciado de Contratações (espécie de licitação) foi regulamentado, uma das ideias era aplicá-lo nos projetos olímpicos para agilizar os processos. Isso jamais aconteceu. Se tivesse sido aplicado, as obras não deveriam estar mais adiantadas? No Complexo de Deodoro, por exemplo, a licitação só será no fim do mês. Os prazos previstos no dossiê de candidatura previam que as obras começariam bem mais cedo.
AZEVEDO E SILVA - Não sei dos detalhes, porque em 2009 meu foco não eram as Olimpíadas. Como militar da ativa, meu negócio é cumprir missões. A minha agora é essa. Missão não se escolhe, missão se cumpre. E o importante é que o coração da Olimpíada está encaminhado. A Matriz de Responsabilidades foi divulgada, e a cada seis meses vamos divulgar uma atualização com novas informações como o custo das obras de Deodoro.
O GLOBO - Vou refazer a pergunta, general. Se o senhor estivesse nessa missão desde 2009, o senhor gostaria de ter tido mais tempo para essas definições?
AZEVEDO E SILVA - O ideal era que tivesse mais flexibilidade em termos de tempo, não tenho dúvida. Mas algum motivo levou a isso. Não sei qual é. Mas, no inicio de 2014, deslanchamos muitas coisas. O principal das Olimpíadas está encaminhado.
O GLOBO - Quando a Copa terminar, todas as atenções estarão voltadas para as Olimpíadas. Sem dúvida alguma, devido à experiência deste ano e às críticas recebidas, a questão é saber se repetiremos os mesmos problemas em 2016. O senhor garante que, faltando 30 dias para os Jogos, não teremos uma correria para concluir obras?
AZEVEDO E SILVA - Eu sou otimista. Não acredito que vai acontecer pela experiência acumulada pelo Rio de Janeiro na organização de eventos. A Empresa Olímpica Municipal tem uma equipe muito boa fazendo esse planejamento. Um exemplo foi o que eles fizeram com o projeto do Complexo de Deodoro. Rapidamente, uma proposta idealizada foi aperfeiçoada para permitir a realização da licitação.
O GLOBO - Deodoro não preocupa o senhor, então?
AZEVEDO E SILVA – As duas instalações essenciais em Deodoro são o estande de tiro e o Centro Nacional de Hipismo, que já existem e passarão por adaptações. A obra mais complicada é o circuito de Canoagem Slalom. Mas não há obstáculos para fazer a obra. O terreno já foi liberado pelo Exército. Depois das Olimpíadas, fará parte de um novo parque público administrado pela prefeitura que atenderá uma área da cidade carente de lazer.
O GLOBO - Em abril, quando saiu a Matriz de Responsabilidades, as propostas de investimentos em meio ambiente decepcionaram. Não há mais o compromisso de reduzir em 80% os níveis de poluição da Baía de Guanabara. O que fica do legado ambiental?
AZEVEDO E SILVA – Muitos investimentos exigem licenças ambientais, cujas regras de concessão são rígidas. Mas é preciso levar em conta também que os governos não acrescentaram na Matriz muitos projetos que já estavam sendo desenvolvidos independentemente do evento.
O GLOBO - O Comitê Rio 2016 divulgou em janeiro que seu orçamento será de R$ 7 bilhões em gastos diretos com as Olimpíadas (despesas de pessoal, equipamentos esportivos, alimentação de atletas entre outros itens). A ideia é que as despesas sejam cobertas por patrocinadores, venda de ingressos entre outras parcerias sem a participação dos governos. Mas ainda existe alguma possibilidade de os cofres públicos arcarem com essas despesas como previsto no dossiê de candidatura?
AZEVEDO E SILVA – A previsão legal existe de fato com a aprovação do Ato Olímpico, em 2009, que transformou em lei os compromissos da candidatura. Pelos valores de hoje, os governos federal, estadual e municipal se comprometeram a entrar com até R$ 1,8 bilhão para complementar o orçamento, seja em recursos ou serviços. Até agora, isso não foi necessário. Caso haja o que chamamos de déficit operacional (acima desse limite de R$ 1,8 bi), a União assumirá.
O GLOBO - E no caso dos investimentos públicos?
AZEVEDO E SILVA – Ele passará por uma revisão a cada seis meses com a inclusão de novos investimentos. Na versão atual, por exemplo, ainda faltam Deodoro e Segurança. A primeira revisão sai em setembro.
O Globo/montedo.com