13 de abril de 2018

Com guinada do eleitor à direita, militares ganham poder e sobem o tom

Forças Armadas se tornaram cada vez mais ouvidas e presentes no Brasil nos últimos meses, 33 anos após o fim do regime militar
Soldados patrulhando a Vila Kennedy em intervenção militar no Rio de Janeiro
Soldados patrulhando a Vila Kennedy em intervenção militar no Rio de Janeiro (Dado Galdieri/Bloomberg)
Samy Adghirni e Simone Iglesias, da Bloomberg 
O presidente Michel Temer cogitou, no começo da semana passada, substituir o ministro interino da Defesa, Joaquim Silva e Luna – um general quatro estrelas do Exército -, por um professor de filosofia. Os militares reagiram rápido.
“Vocês estão loucos”?, disparou por mensagem um oficial do alto escalão a um assessor do gabinete presidencial. Temer desistiu da troca e manteve Silva e Luna como titular da pasta, por ora.
O episódio ilustra como as Forças Armadas se tornaram cada vez mais ouvidas e presentes no Brasil nos últimos meses, 33 anos após o fim do regime militar. Em fevereiro, o Exército foi convocado por Temer a intervir na segurança do Rio de Janeiro, em meio ao caos e a falta total de controle do governo local.
Na véspera do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do habeas corpus pedido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para não ser preso, o general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, foi para o Twitter para repudiar a “impunidade” e defender a ordem. A mensagem foi vista por alguns setores como uma ameaça de intervenção.
Esta maior influência dos militares no cenário nacional coincide com uma mudança perceptível na guinada da sociedade para a direita e com a crescente desilusão com a política e com a democracia.
A satisfação dos brasileiros com a democracia é a mais baixa da América Latina, de acordo com pesquisa publicada em janeiro pelo Latinobarómetro Database.
Este mesmo levantamento mostra que as instituições em que os brasileiros mais confiam são a igreja e as Forças Armadas.
O segundo colocado nas pesquisas para a eleição presidencial de outubro é o deputado e ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, que prega tolerância zero contra o crime, defende a distribuição de armas aos cidadãos e minimiza as atrocidades cometidas pelos militares durante a ditadura de 1964 a 1985.
Bolsonaro disputaria, hoje, o segundo turno das eleições contra Lula, que preso, dificilmente conseguirá entrar na disputa, refletindo a polarização vivida pelos brasileiros.
A corrupção explícita que envolve toda a elite política, a incerteza quanto às eleições de outubro e a crescente violência de norte a sul do país criaram um ambiente de inconformismo nos quarteis, há muito tempo silenciosos. Somou-se a esse contexto a possibilidade de Lula voltar ao comando do país, eventualmente se livrando da prisão e dos processos a que responde.
Para o general da reserva Paulo Chagas, a mensagem de Villas Boas foi um aviso pela preservação da ordem no país. “Quando o general Villas Boas tomou essa atitude, ele estava se antecipando [e dizendo] ‘olha, é melhor que não aconteça, se não vamos ter que agir’. E uma ação de força armada é sempre truculenta”, disse.
Nos últimos três anos, o establishment político e empresarial foi abalado pela prisão de grandes executivos e políticos. Por falta de apoio no Congresso e por conta das pedaladas fiscais, Dilma Rousseff acabou sofrendo impeachment em 2016, um terremoto político que ajudou a mergulhar a economia em sua recessão mais profunda já registrada.
Chagas vê o desafio de enfrentar a crescente violência no Rio de Janeiro como uma oportunidade para as Forças Armadas. O governo, no entanto, precisa urgentemente esclarecer as regras de engajamento para que os soldados possam agir “com mais eficiência”, argumentou o general da reserva. “As Forças Armadas brasileiras sempre resolveram o problema, sempre.”
Temer nomeou Silva e Luna para a Defesa depois que o titular da pasta, Raul Jungmann, foi escolhido para comandar o recém criado ministério da Segurança Pública. É a primeira vez que um militar está à frente da Defesa desde que o ministério foi criado, em 1999.
Temer também fortaleceu o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, esvaziado no governo Dilma. O cargo é ocupado pelo general Sérgio Etchegoyen, um dos três ministros mais fortes da gestão do peemedebista.
A presença mais forte dos militares no governo e nas decisões incomoda muitos brasileiros, especialmente aqueles que sofreram sob o regime militar.
“Os tweets do Villas Boas foram uma ameaça à democracia e foram claramente uma tentativa de influenciar o resultado do STF sobre Lula”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que foi preso e torturado durante a ditadura. “O governo deveria ter demitido o general, mas não tem força para isso. Temer nem sequer foi capaz de nomear um ministro da Defesa civil.”
De fato, o ministro da Defesa não faz segredo de seu desejo de permanecer no trabalho.
“Entendo que seria natural que, com a saída do ministro, que eu permanecesse lá”, disse o ministro em entrevista à Bloomberg. “Meu entendimento com os comandantes, com as forças é perfeito e é completo. O entendimento que me passa é que é razoável que se queira que isso continue agora a decisão de permanecer ou não fica com o presidente da República.”
EXAME/montedo.com

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