O Brasil não está feito, como pátria completa. E a culpa é nossa, como foi dos nossos antepassados, porque a nossa cegueira ou o nosso egoísmo, a nossa vaidade, a nossa pequenina política de rasteiras paixões deixaram a massa do povo privada de fartura, de instrução, de higiene, de “humanidade”.[1]
Estas palavras não saltaram de algum artigo veiculado na mídia virtual, como desabafo de um dos muitos articulistas preocupados com a deriva do país, fruto do trabalho criminoso de desvalorização do mérito e do caráter, em benefício do nepotismo e da riqueza sem trabalho. Nem tampouco representam uma visão analítica de algum cientista político.
Foram pronunciadas há noventa e cinco anos por Olavo Bilac, em 15 de novembro de 1917, num emocionado discurso na Liga da Defesa Nacional, Diretório de Niterói, quando analisava a falta de percepção do povo brasileiro diante da gravidade dos fatos, ocorrentes na época, com os quais se preocupavam as pessoas com mais discernimento. Neste ponto, nada mudou. Discernimento e consciência são conceitos que a gente brasileira acredita pairarem no plano das abstrações, demasiado distante, para dedicar a elas alguns momentos de reflexão. Reflexão? Outra abstração.
Daí, as palavras-epígrafe que traduzem a inquietação de Bilac por ver uma pátria incompleta pela ausência da defesa nacional. Para pôr em prática a defesa do país, é indispensável ter uma laboriosa atividade agropecuária, indústria e comércio desenvolvidos e, o mais difícil, um povo esclarecido. Era assim o olhar de Bilac ante o seu Brasil, ainda nos claudicantes vinte e oito anos de vida republicana.
Quase um século depois, a terra muito produz, a pecuária é excelente, as atividades industrial e comercial são de primeira linha, mas o povo permanece na lassidão intelectual, entregue à troca de votos por benefícios que lhe facilitem a vida, enchendo-se de direitos, mas desinteressado de quais sejam os seus deveres.
As preocupações do conferencista estavam voltadas para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), temendo respingos na soberania do país. Satisfeito estava por ter o presidente Venceslau Brás aumentado o efetivo do Exército, mas reconhecendo, por outro lado, as dificuldades orçamentárias que teria em equipar a tropa para a sua função precípua: a da defesa do país.
Hoje, apesar de os cofres do Estado estarem abarrotados com o dinheiro dos impostos, a negação das verbas para reequipamento das Forças Armadas, principalmente o Exército, evidencia que os inimigos internos, os antibrasileiros, têm um planejamento em marcha, não o da defesa do país, mas o da descaracterização da Força Terrestre, a Corporação à qual cabe a responsabilidade constitucional de salvaguardar cada palmo do extenso território brasileiro.
Bilac, se ainda vivesse, não resistiria à tanta desfaçatez dos impunes políticos que carnavalizam o dinheiro do contribuinte em detrimento do reaparelhamento das Forças, únicas Instituições permanentes do Estado, às quais estes mesmos ímprobos, um dia, irão solicitar ajuda.
É necessário que se pense em Bilac, não somente como poeta parnasiano, restrito às normas literárias da época, mas como um dos primeiros lutadores, no Brasil República, em favor da defesa nacional, da defesa territorial, da defesa da língua. O criador do Serviço Militar não poetava quando tornou a defesa do Brasil uma prioridade na luta interna contra a negligência dos próprios governantes, contra o desinteresse do próprio povo, tão alheio às coisas sérias do país.
Que as palavras deste civil em favor dos militares e em favor da defesa nacional sejam reavivadas para que sirvam de antídoto ao veneno insidioso da falácia de que o Brasil não tem inimigos. Engano. Eles estão dentro e fora, porém unidos por interesses desintegradores da unidade territorial, da unidade étnica, da unidade familiar e pelo desmoronamento da ética política. Esta já estatelou-se.
*Prof.ª Dr.ª em Língua Portuguesa. Articulista do Jornal Inconfidência. Membro da Academia Brasileira de Defesa. A opinião expressa é particular da autora.
[1] O Brasil e a guerra (Últimas conferências e discursos). In: Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.