Sistema do Exército é considerado um instrumento de segurança pública e nacional e também visa a coibir crimes ambientais e o contrabando (Ademir Almeida/Futura Press/Estadão Conteúdo) |
Leandro Prazeres e Wellington Ramalhoso
Do UOL, em Brasília e em São Paulo
Sistema do Exército é considerado um instrumento de segurança pública e nacional e
também visa a coibir crimes ambientais e o contrabando.
O projeto que o Exército concebeu para defender a fronteira do país e ajudar a combater crimes como o tráfico de drogas e de armas sofreu um grande corte no ano passado.
De 2016 para 2017, o investimento do governo Michel Temer (MDB) no Sisfron
(Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) despencou de R$ 285,7 milhões para R$ 132,4 milhões, uma redução de 54%. Os dados são de um levantamento feito pelo UOL com base no Siga Brasil, sistema de informações sobre o orçamento público federal, e foram coletados em fevereiro deste ano. Os valores foram atualizados pela inflação no período.
A implantação do Sisfron começou em 2013 e abrange atualmente uma faixa de 650 quilômetros em Mato Grosso do Sul, vizinho do Paraguai e da Bolívia. Isto equivale a somente 4% dos 16.686 quilômetros de fronteiras do país.
Inicialmente, a previsão era que o sistema funcionasse em toda a linha fronteiriça brasileira a partir de 2022, mas atualmente a estimativa é que isto aconteça daqui a 17 anos, em 2035, a depender, segundo o Ministério da Defesa, da "manutenção do fluxo orçamentário".
Segundo o general Gerson Forini, gerente do projeto Sisfron, o custo da implantação do sistema em toda a fronteira nacional está estimado em R$ 11,9 bilhões.
Funcionamento do sistema em Mato Grosso do Sul é considerado um projeto piloto (EB) |
Investimento abaixo do previsto e orçamento menor em 2018
Além de inferiores na comparação com o valor efetivamente gasto no ano anterior, os R$ 132,4 milhões investidos no Sisfron ficaram bem abaixo do montante reservado pelo governo no início de 2017, conhecido como "dotação inicial".
Naquele ano, a gestão Temer reservou R$ 449,7 milhões do Orçamento da União para a implantação do projeto, mas desembolsou somente os R$ 132,4 milhões já citados, o equivalente a 29% do previsto. Cortes e contingenciamentos feitos pelo governo levaram a esta redução.
Em 2018, o valor reservado pelo governo para o programa caiu para R$ 391,5 milhões, uma redução de 16% na comparação com o inicialmente previsto no ano passado.
As consequências do contingenciamento de recursos do sistema já foram criticadas pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. No ano passado, ele disse ao jornal "O Estado de S. Paulo" que isto "compromete" o Sisfron.
"De uma maneira geral, muitos dos causadores do problema de segurança pública nas grandes cidades passam pelas fronteiras", afirmou o comandante em agosto. "É essencial mantermos as fronteiras sob vigilância. Precisamos aplicar a tecnologia, um sistema avançado, que permita o monitoramento."
O sistema inclui materiais e redes de sensoriamento, centrais de comando e controle, além de integração com sistemas da Polícia Federal e das polícias estaduais para garantir o fluxo de informações. Ele varre uma faixa de 150 quilômetros de largura na linha de fronteira.
Neste ano, o programa deverá ser levado para 1.950 quilômetros de faixa de fronteira nos Estados do Paraná e de Mato Grosso. O consórcio Tepro, formado pelas empresas Savis e Bradar, controladas pela Embraer, é responsável pela implantação do sistema.
Com apoio do Sisfron, soldados fazem apreensão de drogas perto da fronteira(EB) |
"No Rio não se produz droga: ela entra pelas fronteiras"
A advogada Isabel Figueiredo, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública, avalia que as dificuldades orçamentárias também afetam outras medidas do governo federal voltadas para o combate a crimes na fronteira.
"O Sisfron é fundamental, mas é muito importante que ele seja articulado com outras iniciativas do governo federal como a Enafron [Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras, projeto criado pelo Ministério da Justiça] e o trabalho da Polícia Federal. O governo atual fez um baixo investimento no Sisfron e fez um investimento ainda menor nas outras medidas", afirma.
"No Rio não se produz droga: ela entra pelas fronteiras. Enquanto não se der a devida importância às fronteiras, a torneira continua aberta e agir no Rio é como enxugar gelo. E a intervenção tem mais um caráter de espetáculo e marketing por parte do governo federal", comenta Isabel, que foi diretora da Secretaria de Segurança Pública durante o governo Dilma Rousseff (PT).
Para o chefe da Desarme (Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos) da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Fabrício de Oliveira, a relação entre a porosidade das fronteiras brasileiras e a crise da segurança pública no Rio é grande.
"O controle das fronteiras é um desafio de todos os países, muito mais de um país como o Brasil. É evidente que, se conseguirmos barrar a entrada de armas [pelas fronteiras], a tendência é que o cenário melhore", diz Oliveira.
O secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Antonio Carlos Videira, afirma que o Sisfron é elemento importante no combate ao tráfico. No ano passado, a polícia sul-mato-grossense, que conta com informações do sistema de Exército, apreendeu 427 toneladas de drogas, principalmente maconha e cocaína, marca recorde no Estado.
Quanto ao corte de verbas na ampliação do projeto, Videira sugere que o governo federal agilize os leilões de imóveis confiscados de traficantes e invista o dinheiro no Sisfron.
Segundo general gerente do Sisfron, o desenvolvimento de sensores de sinais eletromagnéticos e de radares de vigilância terrestre é demorado (EB) |
Governo afirma que desenvolvimento exige tempo
Questionado sobre o atraso na implantação do Sisfron, o Ministério da Defesa afirma que o desenvolvimento tecnológico do sistema exige tempo. "Cabe ressaltar que aquisições de materiais de defesa e tecnologicamente avançados exigem avaliações específicas, por vezes mais prolongadas. Por essas razões, não há como afirmar que até o presente momento eventuais atrasos estejam
invariavelmente associados à redução no volume de recursos", diz em nota o Ministério da Defesa.
"O desenvolvimento do projeto mostrou que o prazo anterior não era exequível. A disponibilidade orçamentária também mostrou que a gente não ia conseguir [cumprir]. A conjunção dos dois fatores levou a uma extensão do prazo", afirma o general Gerson Forini, gerente do projeto.
Forini também contesta a informação de que o orçamento do projeto caiu em 2018. Para ele, o valor previsto para este ano não deve ser comparado com o que estava previsto para 2017. Ele defende a comparação entre os valores autorizados pelo governo.
No ano passado, a administração federal chegou a autorizar o gasto de R$ 266 milhões, embora tenha investido menos do que isto. Em 2018, até o momento, autorizou o gasto de R$ 391,5 milhões, uma cifra mais alta, portanto. O valor autorizado, no entanto, não garante que o montante será efetivamente gasto no mesmo ano.
FOLHA/montedo.com