Hélio de Souza Filho
Foto: Roberto Viana (Bocão News) |
O Centro de Comunicação Social do Exército divulgou hoje, 9 de fevereiro, uma nota à imprensa negando a destituição do comandante da 6ª RM de seu comando regional e do comando da Operação de Garantia da Lei e da Ordem na Bahia.
De acordo com a mensagem o Exército esta executando no estado uma operação de GLO em virtude da greve da policia militar. Essa é o tipo da missão que todos comandantes dispensam e quando a executam é por dever de oficio. Na GLO não existe um inimigo explícito, as forças adversas contra as quais eventualmente a tropa terá que atuar muitas vezes não se caracterizam como tal, razão pela qual, quanto maior o tempo em que for empregada, maior a possibilidade do desgaste por utilização da violência contra terceiros.
Raramente a reputação de um comandante deixa de sair arranhada nessas intervenções. Normalmente aqueles que não obtêm uma vitória contundente são tidos como despreparados ou frouxos e os que conseguem o sucesso absoluto são invariavelmente chamados de carniceiros. A maioria ficaria satisfeita com uma substituição eventual ou com uma doença oportuna e muitos torcem por existir alguém mais apto para assumir a missão.
O primeiro emprego de Garantia da lei e da Ordem que se tem noticia ocorreu no céu, antes mesmo do paraíso de Adão e Eva, quando o anjo da ordem dos Querubins, Lúcifer, liderou uma revolta contra Deus que, diante da insurgência interna, empregou o arcanjo Miguel para restituir a ordem. Até nesse caso persiste a controvérsia sobre a ação vitoriosa, já que ela deu origem ao inferno para onde foram enviadas as forças adversas, para alguns um castigo a altura da desfaçatez da rebelião, para outros uma vitória de Pirro, pois desde então o inferno passou a ser o grande concorrente do céu.
A repressão à revolta dos escravos liderada por Spartacus, imortalizada por Kirk Douglas no cinema, é outro caso sintomático. O levante, tratado inicialmente com escárnio pelo senado romano, tomou uma dimensão inimaginável, ameaçando a integridade do Império e sepultando carreiras e pretensões de pretores e cônsules enviados para derrotá-lo. Marco Licínio Crasso que, finalmente, o venceu, manchou sua conquista com a crucificação de 6.000 rebeldes ao longo da Via Apia e, ainda, viu a glória da vitória ser atribuída em Roma a Pompeu, que quase nada fez durante toda a campanha.
A ocupação da Espanha por Napoleão maculou a biografia de muitos dos Marechais de França, que, imbatíveis nos campos de batalha por mais de 15 anos, sentiram o gosto, senão da derrota, ao menos do fracasso técnico por não conseguirem dominar por completo as inúmeras revoltas dos nacionalistas espanhóis inconformados com o domínio napoleônico. O mesmo ocorreu com os marechais e generais alemães. Incomparáveis mestres da guerra na 2ª GM, em quase a sua totalidade sofreram condenações discutíveis por ações da SS na repressão a sabotagens e guerrilhas nos territórios ocupados.
Em todas as operações de GLO a maior dificuldade dos comandantes designados decorre da dualidade de comando, operacional e político, na área de atuação, razão pela qual Caxias sempre exigiu nas pacificações que empreendeu, Balaiada, Revolução Liberal e Farrapos, a chefia das armas e a presidência ou vice-presidência da província, assim, além da imposição da lei e da ordem tinha autonomia para negociar a paz e conceder anistia.
O emprego das Forças Armadas na GLO é prevista na Constituição e regulada em lei. O preparo da tropa para este fim é tão importante quanto para a defesa externa. A ineficácia na manutenção do estado direito pode ser tão trágica para o país quanto a derrota frente a uma invasão estrangeira. Elas, nunca deve ser descurado, constituem-se no último recurso que um Estado dispõe para existir como tal, assim sendo, todos sabem que depois de empregadas não existirá reserva para reforçá-las ou substituí-las.
Os movimentos grevistas nas policias militares, responsáveis pelos últimos empregos das Forças Armadas em GLO, foram gestados, paridos e embalados na década de 90 pelo PT e muitos de seus líderes, escalados e instruídos pelo partido, mais tarde tornaram-se vereadores e deputados da sigla, portanto, o que se vê hoje é o feitiço voltando-se contra o feiticeiro. Além dessa questão, existem outras duas que impulsionam as sucessivas rebeliões: elas não são orquestradas e regidas apenas por associações de praças e oficiais, têm, invariavelmente, o apoio, mesmo que negado, de comandantes dos diversos escalões da corporação que sabem serem os ganhos obtidos pelos grevistas estendidos a eles e a impunidade assegurada por anistias demagógicas que impedem a punição devida aos amotinados, o que acaba por criar uma confraria de delinqüentes recorrentes.
Se a reivindicação é aparentemente justa, a maneira de negociá-la sem dúvida não é. Sendo a policia militar armada, equipada, instruída e designada por lei para a manutenção da ordem pública, o policial ao invadir e tomar um órgão, também público, danificar viaturas policiais para impedir a sua utilização na sustentação dessa tarefa e planejar a obstrução de vias de transporte, deixa de agir de acordo com as atribuições que lhes foram outorgadas pelo Estado e envereda na senda do banditismo. Por outro lado, não pode ser esquecido, que o sistema de turnos de trabalhos, no Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, por exemplo, existem militares que trabalham um dia, 24 horas, por semana e folgam os outros seis, faz com que os efetivos sejam inchados, o que, consequentemente, pesa na folha de pagamento, dificultando vencimentos mais expressivos.
Para não fugir ao mau presságio da GLO, já no fim da operação, o comandante resolveu dar o ar da graça onde os ânimos estavam mais exaltados. Recebido pelos amotinados com um “haha, huhu, o general é nosso!” e com um bolo de aniversário, com direito a parabéns, não agüentou e chorou diante da manifestação.
No fim da operação os grevistas serão anistiados e terão ao menos parte das exigências atendidas; o governo estadual se apresentará como exímio negociador; Dilma e o ministro da justiça, mesmo apoiando as decisões do governador e incentivando o perdão, dirão que não cedem a pressão; a Força Nacional com seus 100 homens empregados e a Policia Federal com a participação de um delegado e vinte agentes se colocarão como protagonistas de toda a ação, e o Exército será lembrado pelas lágrimas do general. É triste, mas é verdade.