Em sigilo, inquérito sobre estupro em quartel de Santa Maria é prorrogado
Igor Natusch
A família do jovem soldado de 19 anos violentado dentro de um quartel do Exército em Santa Maria no final de maio terá que esperar mais tempo para ter algum tipo de resposta sobre o caso. A Justiça Militar prorrogou por mais 30 dias o inquérito que investiga as circunstâncias da violência sexual, cometida por quatro colegas de caserna dentro das dependências do Parque Regional de Manutenção, localizado na cidade da região central do Rio Grande do Sul. O processo corre em sigilo e os advogados da vítima garantem que não tiveram nenhum acesso aos autos até o momento, mesmo com vários requerimentos nesse sentido.
“Não nos deram vistas a nenhum dos elementos envolvidos no inquérito. É tudo muito fechado”, diz o advogado Lauro Bastos, um dos representantes da família do jovem. Segundo ele, a postura dos militares é bastante rígida, impedindo o acesso a qualquer tipo de informação. Nem mesmo os exames feitos no hospital militar, onde o jovem ficou internado durante oito dias após a agressão, foram apresentados aos advogados da vítima.
Lauro Bastos afirma que, como não há perspectiva de mudança na postura dos militares, a solução é aguardar o fim da prorrogação do inquérito para tomar conhecimento dos detalhes da investigação. Dependendo do resultado, os advogados estudam uma ação na Justiça comum. Há documentação disponível para embasar a ação, inclusive um exame de lesões corporais feito a pedido de familiares que comprova a agressão sexual da qual o soldado foi vítima.
Deputado diz que jovem está “muito chocado”
O deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) visitou Santa Maria na última quinta-feira, em nome da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Nesta quarta, o deputado vai apresentar um relatório sobre o caso na comissão. Em Santa Maria, ele ouviu os militares encarregados do inquérito, além de conversar com representantes da família e com o próprio soldado vítima do estupro. Segundo o parlamentar, o jovem e seus familiares ainda estão “abaladíssimos” com toda a situação. “O jovem está muito chocado, fiquei até impressionado com o estado dele”, admite o deputado petista.
De acordo com Fernandes, o soldado só recebeu atendimento psicológico após receber alta do hospital militar, mais de uma semana depois da violência sofrida. “Perguntamos para o rapaz se ele tinha chegado a pensar em fazer alguma besteira, algum atentado contra a própria vida. Ele respondeu: ‘é o que eu mais penso, todos os dias’. Fiquei muito preocupado com a situação dele”, acentua, garantindo que a Assembleia vai acompanhar a situação de perto e prestar todo o auxílio possível ao jovem.
O parlamentar não entrou em detalhes sobre as declarações dos militares, mas disse que inquérito tende a não caracterizar o estupro. Os indícios apontariam, segundo o Exército, para um desentendimento ou mesmo para uma relação consensual entre os envolvidos. O exame de corpo de delito feito pelos militares, por exemplo, teria constatado apenas uma pequena lesão, insuficiente para caracterizar violência sexual.
Acusados seguem trabalhando normalmente
O fato ocorreu no dia 17 de maio. O soldado teria sido estuprado por outros quatro colegas enquanto cumpria pena administrativa no Parque Regional de Manutenção de Santa Maria. O jovem ficou oito dias internado no hospital militar, metade deles sem que nem mesmo seus familiares fossem informados sobre o ocorrido. A mãe da vítima alega ter sofrido ameaças veladas quando finalmente pôde visitar o filho – segundo ela, foram feitas insinuações de que o sexo teria sido consentido e que o jovem violentado era homossexual.
Os soldados envolvidos no estupro foram incorporados em março, junto com o agredido, e encontravam-se em serviço temporário quando o incidente ocorreu. Até o final do mês passado, os quatro supostos agressores seguiam normalmente em suas atividades, já que não houve flagrante. O jovem violentado, por sua vez, foi liberado para permanecer em casa por tempo indeterminado. O Exército já confirmou que, caso o soldado seja reintegrado ao serviço militar, cumprirá suas atividades em outro quartel, possivelmente em tarefas administrativas. O deputado Jeferson Fernandes revelou ao Sul21 que a Assembleia vai orientar os militares a não reconduzir o jovem à caserna. “Se ele se sentir acuado ou pressionado, ninguém sabe o que pode acontecer”, afirma.
A reportagem do Sul21 fez vários contatos com autoridades militares durante a tarde desta terça. Porém, não conseguiu nenhuma posição oficial sobre a prorrogação do inquérito ou sobre o sigilo que envolve a investigação. O major Roberto Brancaleone, do Setor de Comunicação da 3ª Divisão de Exército, encarregado pelo Exército de atender a imprensa, alegou que não se encontrava em Santa Maria e não estava em condições de se manifestar sobre o caso.
SUL21
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