Terreno escolhido para novo autódromo era campo de instrução até com minas
Segundo o Comando Militar do Leste, o uso civil da área exigirá a descontaminação prévia
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES
SIMONE CANDIDA
Área em Deodoro, onde os governos pretendem construir o novo autódromo Divulgação/6-6-2012 |
RIO - O terreno em Deodoro cedido pelo Ministério da Defesa ao Ministério do Esporte para construir o novo autódromo do Rio era este ano um campo de instrução militar onde, desde 1950, soldados aprenderam a manusear minas e granadas de mão e de bocal e dar tiros de rojão, entre outras atividades. Por isso, não está descartado que, no local, desativado há poucas semanas, haja explosivos não detonados. Segundo informou ao GLOBO o Comando Militar do Leste (CML), o uso civil da área exigirá a descontaminação prévia. As informações surpreenderam o governo do estado, que, em acordo intergovernamental para projetos ligados aos Jogos de 2016, assumiu em maio a responsabilidade de gerenciar as obras do novo complexo. No acordo, a União se compromete a repassar os recursos.
Área interditada para perícia
De acordo com ofício encaminhado pelo 1º Comando da Divisão do Exército ao Ministério Público estadual, o terreno é o mesmo onde, no dia 21 de junho passado, um militar da Escola de Sargentos de Logística morreu e outros dez ficaram feridos após uma explosão num acampamento até hoje não esclarecida. O MP queria que o Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico fizesse uma avaliação da biodiversidade da área, mas isso não foi possível. Segundo o Exército, o acesso ao local está proibido desde então porque uma perícia técnica está em andamento. O inquérito policial-militar (IPM) que investiga o acidente ainda não foi concluído.
— Outras explosões já ocorreram no mesmo local no passado. A construção do autódromo naquela área extrapola a discussão ambiental. A liberação dessa área deve ser analisada com muito rigor, não só do ponto de vista ambiental, mas de segurança — disse a promotora Rosani da Cunha Gomes, que instaurou inquérito no MP para acompanhar o caso.
Leia também:
'Tijolo quente' é a provável causa da morte de aluno do CFS no RJ
Até então, o MP investigava apenas possíveis danos ambientais que a construção do autódromo poderia ocasionar e chegou a recomendar que as licenças de obras não fossem emitidas. A região conta com espécimes de Mata Atlântica raros e em extinção, como jacarandá-da-bahia (Dalbergia nigra) e a Mollienedia glabra.
O Ministério do Esporte não quis não comentar o caso. O secretário-chefe da Casa Civil do governo do estado, Régis Fichtner, que negocia a realização do projeto com a União, admitiu em nota não saber que houve manuseio de explosivos no local. O subsecretário estadual do Ambiente, Luiz Firmino, acrescentou que a informação também não constava dos estudos técnicos sobre a área encaminhados pelo Ministério do Esporte ao governo do estado no ano passado. O documento foi analisado pela Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e acabou servindo de base para a concessão da licença prévia para o projeto.
— Se essa informação constasse do documento, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) incluiria uma orientação sobre a necessidade de descontaminação. Mas claro que vamos exigir isso na fase de concessão de licença — disse Firmino.
A notícia surpreendeu também o diretor jurídico da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), Felippe Zeraik. A entidade negociou um cronograma de obras em Deodoro com a prefeitura e o governo do estado para tentar reduzir os prejuízos de pilotos e quipes com o fechamento do Autódromo Nelson Piquet, em Jacarepaguá. O velho autódromo será fechado até o fim do ano para acelerar as obras que vão transformar a área no futuro Parque Olímpico. Em 2016, 15 modalidades serão disputadas no local.
— Se isso for verdade, é literalmente uma bomba para o automobilismo. Nós esperávamos que as obras fossem licitadas em dezembro. Vou solicitar os documentos ao MP. Se houver riscos para o automobilismo, podemos ter que recorrer à Justiça para retardar o fechamento do Nelson Piquet — disse Zeraik.
O representante da Federação das Associações de Moradores do Rio (Fam-Rio) no Conselho Municipal do Meio Ambiente, Abílio Tozini, acrescentou que os problemas identificados reforçam o pedido da sociedade civil para que os governos encontrem uma outra área para construir o novo autódromo, de modo que o impacto ambiental seja menor. A sugestão da Fam-Rio é que ele seja instalado no campo de instruções de Gericinó, vizinho ao terreno escolhido pelos governos, e que está mais devastado.
— Nos dois casos, o terreno terá que ser descontaminado. A diferença é que ao menos o Campo de Gericinó está desmatado. Isso reduziria os danos ambientais — disse Abílio.
O diretor Jurídico da CBA, Felippe Zeraik, porém, observa que os governos não dispõem de uma área alternativa para construir o novo autódromo.
Para o vice-governador Luiz Fernando Pezão, a hipótese de haver explosivos não detonados ocultos nas matas do Camboatá é um argumento favorável para licenciar o projeto.
— O projeto ainda não está comigo. Mas foi uma surpresa saber dessa situação. Acho que será um argumento forte para superar as barrerias ambientais. Se pode ter explosivos, a área terá que ser limpa. E olha que de problema ambiental eu entendo: vide as pererecas que obrigaram a construção de um novo viaduto do Arco Metropolitano e a espécie de tatu de um olho só que criou problemas para concluir uma estrada em Paraty.
O Globo/montedo.com