Governo não vê indícios de invasão nos sistemas
Ministério da Defesa e Forças Armadas investigam espionagem de dados estratégicos pelos EUA
“Queremos saber se a NSA teve acesso a projetos como o pré-sal e o FX-2”, diz líder da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado
O ministro da Defesa, Celso Amorim, na Comissão de Relações Exteriores: investimentos em defesa cibernética ocorrerão no segundo semestre (Ailton de Freitas) |
VINICIUS SASSINE/CHICO DE GOIS
BRASÍLIA - As fragilidades do sistema de criptografia de informações estratégicas para a defesa nacional estão entre as principais preocupações apontadas nas reuniões do ministro da Defesa, Celso Amorim, com os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica na última semana. Os primeiros relatos dos comandantes ao ministro dão conta de que não há, por enquanto, evidências de invasão dos sistemas, mas as investigações prosseguem diante da vulnerabilidade na troca de informações oficiais. A pasta confirmou a realização das reuniões para apurar eventuais dados militares que podem ter sido alvo de espionagem do governo dos Estados Unidos, como O GLOBO revelou em reportagem publicada neste domingo.
Nos encontros entre Amorim e os comandantes das Forças Armadas, ficou acertada a realização de um levantamento sobre eventuais vazamentos de informações sigilosas. Desde a revelação pelo GLOBO das supostas atividades de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) no Brasil e na América Latina, estiveram no centro das discussões as deficiências do sistema de criptografia e o incipiente programa de defesa cibernética ligado ao Exército, implantado em 2011.
Em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado na última quarta-feira, o ministro da Defesa afirmou que o sistema de criptografia oferece uma proteção “razoável” às mensagens trocadas e admitiu a situação de “vulnerabilidade” de informações estratégicas à segurança nacional.
Criptografia brasileira
As falhas do sistema de criptografia, que consiste em cifrar as mensagens trocadas e manter o sigilo das informações, também são discutidas no âmbito do grupo interministerial criado pela presidente Dilma Rousseff para avaliar a suposta espionagem americana no Brasil. Pelo menos duas instituições governamentais brasileiras produzem equipamentos que criptografam mensagens.
Uma é a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), vinculada ao Ministério da Defesa, que fabrica um transmissor utilizado pelas Forças Armadas no sistema de comando e controle, codifica voz e dados. Já o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (Cepesc), da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), fabrica telefones criptografados, equipamentos para criptografia em computadores e outros aparelhos que cifram dados. Os telefones fornecidos à presidente e a seus ministros são do Cepesc.
Mesmo com produção local, há uma alta dependência da tecnologia estrangeira. Entre as previsões dos ministérios da Defesa e de Ciência e Tecnologia para o setor cibernético, está a adoção de “soluções nacionais inovadoras”, em especial o desenvolvimento de “algoritmos criptográficos e autenticação próprios”.
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Greenwald vai ao Senado
Sobre o baixo investimento em defesa cibernética — apenas R$ 11,3 milhões (12,5%) dos R$ 90 milhões previstos para este ano, a assessoria do Ministério da Defesa sustenta que a maior parte deve ocorrer no segundo semestre. A pasta diz que será possível gastar os R$ 90 milhões e que créditos adicionais ainda podem ser aprovados.
O jornalista Glenn Greenwald, do jornal britânico “Guardian” — o responsável por levar à imprensa o material vazado pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden — será ouvido amanhã na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. O presidente da comissão, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), disse esperar que o jornalista detalhe um pouco mais como o monitoramento americano é feito.
— Queremos saber detalhes objetivos, como, por exemplo, se a NSA teve acesso a projetos estratégicos brasileiros, como o pré-sal e o FX-2, por exemplo — adiantou Ferraço, referindo-se ao programa de reequipamento e modernização da Força Aérea Brasileira.
Ferraço disse ainda que a comissão vai pedir ao jornalista que autorize o acesso ao material coletado com Snowden. O senador não poupou o governo de críticas:
— O governo tem sido absolutamente negligente e leniente no desenvolvimento de projetos necessários para a defesa cibernética. O governo não tem tratado o assunto com a necessidade que merece. Estamos aquém do básico do básico do básico.
A situação de Snowden — há três semanas na área de trânsito de um aeroporto de Moscou — também é motivo de preocupação. Organizações de defesa dos direitos humanos e movimentos de juventude de partidos planejam para quinta-feira o “Dia do Snowden”, com atos públicos na sede do Itamaraty, em Brasília, no escritório da Presidência da República, em São Paulo, e em consulados dos EUA, além de ações em redes sociais. O objetivo é convencer o governo brasileiro a se engajar em campanha para garantir que o ex-técnico da CIA viaje em segurança até um dos países que ofereceram asilo, como Venezuela, Bolívia e Nicarágua.
Colaborou Thiago Herdy, de São Paulo
O Globo/montedo.com