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“É saudável para a economia essa reserva de mercado, ou trará a reboque o atraso, como ocorreu com a informática sobre reserva de mercado de 1984?”
Primeira Linha
O modelo criado pelo Governo Federal, em 2012, para dar sustentação ao setor de Defesa, poderá gerar atraso tecnológico comparável com a lei de informática do regime militar. Naquele período, tentou-se estimular empresas nacionais de informática, mas a realidade foi que a população não se contentava com equipamentos caros e ultrapassados e apelava ao contrabando, enquanto setores estatais procuravam obter excepcionalidade para importar itens atualizados.
A crítica ao modelo é póstuma. Acaba de sair na Revista do Clube Naval, do Rio, de autoria do capitão de mar e guerra reformado Fernando Malburg da Silveira, falecido em julho último, pouco após entregar seu artigo para publicação. O atual modelo se baseia nas Empresas Estratégicas de Defesa (EEDs), que gozam de privilégios para os meios bélicos navais, terrestres e aeroespaciais. Nas EEDs os estrangeiros não podem superar 2/3 dos votos.
Disse Malburg: “Na prática, o poder decisório nas assembleias estará necessariamente nas mãos dos acionistas brasileiros, em mais uma manifestação de xenofobia em relação ao capital estrangeiro, coisa que nem mesmo a China pratica mais”. O decreto regulador criou uma Comissão Mista da Indústria de Defesa (Cmid). Em termos de garantias, basta declaração de capacitação tecnológica firmada pelos empresários, o que Malburg achou simplório. Algo também discutível é determinação de que as EEDs deverão disponibilizar tecnologia à União ou para outras EEDs – uma peça de ficção, pois empresa nenhuma cede conhecimento para uma concorrente.
Um ponto fulcral, segundo Malburg, é o que poderia acontecer nas licitações, onde somente EEDs podem participar. Pergunta o finado articulista: “Se empresa que não é EED for afastada das licitações, como fica o princípio constitucional de isonomia, que exige a proposta mais vantajosa para a União?” Para Malburg, a lei das EED fere diretamente a norma das concorrências, a conhecida Lei 8.666/93. “É saudável para a economia essa reserva de mercado, ou trará a reboque o atraso, como ocorreu com a informática sobre reserva de mercado de 1984?” – questiona. Diz que o sistema cria cipoal burocrático anacrônico, com nacionalismo xenófobo, afasta o capital estrangeiro e cria-se domínio tecnológico nacional que, no fundo, é precário, incipente ou inexistente.
As empreiteiras, agora nas manchetes com o caso Petrobras, foram mencionadas por Malburg. Diz que, salvo melhor juízo, as novas exigências para participação em certames licitatórios públicos, voltados para o setor de Defesa, favorecerão grupos fortes, empresas amigas do rei, e cita: “Não é por acaso que as grandes empreiteiras brasileiras, altamente qualificadas para construir hidrelétricas, pontes, grandes obras de engenharia, mas não afeitas à tecnologia bélica, exerceram poderoso lobby para aprovar a nova lei, atraídas pelas muitas promessas que o Executivo vem fazendo para agradar as Forças Armadas, acenando com verbas para projetos de Defesa cujos custos estão na casa dos muitos bilhões de reais”.
Cita que o esforço nacionalista irá por terra, pois os novos investidores são neófitos em Defesa e acabarão por comprar tecnologia no exterior e, como se sabe, os estrangeiros não vendem conhecimento com facilidade: “As regras de mercado não deviam ser mexidas. Artificializar ou restringir a livre competição mercadológica não parece ser um bom caminho. O passado condena”. Em relação à geração de empregos, Malburg afirma não ser necessário fechar o mercado para criar vagas no país. Esse debate é importante, mas poderá se tornar inócuo, já que o governo anuncia cortes, e o setor bélico poderá ser um dos primeiros alvos da tesoura de Joaquim Levy.
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