Soldados da Força Armada Nacional Bolivariana em desfile cívico (Boris Vergara/Xinhua) |
Ele se alistou na Guarda Nacional da Venezuela para sair da pobreza. Mas pouco
mais de dois anos depois, seu salário mensal vale apenas cerca de US$ 2 (cerca de
R$ 8), forçando-o a fazer um bico em uma loja de pneus. Ele também entrou com o
processo de dispensa.
"Eu não sei o que todo mundo faz para sobreviver", disse Ruben, um sargento de 21
anos de idade, que temendo retaliação concordou em falar sobre sua situação
apenas se o seu sobrenome não foi revelado.
"Se eu não sair dessa, vou morrer de
fome."
Nem mesmo as Forças Armadas, que já foram motivo de orgulho na Venezuela, são
imunes ao agravamento da crise econômica, desse país rico em petróleo, com
escassez de alimentos e preços subindo rapidamente. Enquanto os comandantes
superiores negam que haja qualquer descontentamento, analistas dizem que
milhares de soldados estão pedindo dispensa ou estão simplesmente indo embora,
desertando seus postos.
Desde que assumiu o cargo após a morte de Hugo Chávez, seu mentor que instalou
a administração socialista da Venezuela, o presidente Nicolás Maduro tem
procurado demonstrar apoio às Forças Armadas mimando as tropas com bônus e
premiando oficiais leais com altos cargos governamentais.
Ele está contando com o apoio dos militares para montar acabar com qualquer
reação turbulenta caso seja declarado o vencedor da eleição presidencial de
domingo (20), em um pleito que foi condenado por grande parte da comunidade
internacional por impedir alguns de seus principais críticos de concorrer.
Mas, enquanto a Venezuela entra em falência e a hiperinflação pulveriza os salários
de civis e soldados, o descontentamento está entrando nas casernas, levantando
dúvidas se as tropas permanecerão leais enquanto seus estômagos roncam de
fome.
Com a oposição derrotada e a economia piorando nas mãos de um governo cada
vez mais autoritário, muitos venezuelanos, assim bem como a administração Trump,
estão olhando mais atentamente para os militares, que historicamente interferiu
calmamente durante momentos de crise política.
Ruben, magro e abatido, falou com a AP depois de atravessar a rua do Forte Tiuna
de Caracas, depois de entregar seus papéis de dispensa, cópias das quais ele
ainda carregava em uma pasta.
Ele contou que não conseguia alimentar a esposa grávida e o filho de 2 anos com o
pagamento que recebia da Guarda Nacional. Ruben procurou trabalho trocando
pneus em seus dias de folga, ganhando o dobro dos cerca de $2 por mês, que ele
recebe do exército. O militar disse que planeja transformar o que hoje é um bico em
um trabalho de tempo integral, assim que for dispensado.
Ele não está sozinho nessa.
Na ilha caribenha de Margarita, soldados em uniformes verde-oliva e com rifles
pendurados sobre seus ombros vagueiam pelo mercado todas as manhãs
mendigando comerciantes de frutas e legumes.
Na cidade de Maracaibo, Ruth Bravo, 21, disse que enviou seu marido para o
Exército por causa dos benefícios alimentares para que ela e seus dois filhos
pudessem comer. Mas essa ajuda raramente vem, o que a faz mendigar nas ruas
todos os dias para sobreviver.
Mesmo as rações servidas em refeitórios militares têm diminuído drasticamente em
tamanho e qualidade. Para compensar, os soldados muitas vezes recebem
horas de folga durante o dia para caçar refeições fora da base, disseram militares à
AP.
Os soldados faziam parte de uma classe privilegiada no auge do boom petrolífero da
Venezuela do governo Chávez. Ele próprio era um antigo comandante de tanque.
Os militares tinham acesso a habitação de qualidade, carros e eletrodomésticos a
preços subsidiados.
Mas a generosidade acabou no governo Maduro, que tentou compensar, dando a
oficiais de alto escalão uma fatia de poder ainda maior. Eles comandam quase
metade dos ministérios da Venezuela, incluindo o controle do principal programa de
fornecimento de alimentos.
Mais notavelmente, há seis meses Maduro nomeou o general Manuel Quevedo para
comandar a empresa estatal de petróleo, PDVSA, com uma produção que não
parava de despencar, embora o militar não tivesse experiência anterior na indústria.
Os 150 mil homens e mulheres que servem nas Forças Armadas da Venezuela
recebem os pagamentos mais baixos da América Latina, com salários mensais que
valem apenas para US$2 a US$12, disse Rocio San Miguel, um analista militar de
Caracas. A base de pagamento para as tropas na Colômbia começa em US$75,
enquanto os soldados no México ganham US$300 para começar.
Ninguém sabe exatamente quantos soldados desertaram. Mas San Miguel e outros
especialistas dizem que o número chega a vários milhares.
Além das tensões econômicas, muitos soldados temem ser mandados outra vez
para segurar as massas de manifestantes irritados que pedem um governo novo.
Especialistas dizem que o número de deserções subiu em 2017 quando a Guarda Nacional entrou em confronto com manifestantes anti-Maduro quase diariamente por
quatro meses, deixando mais de 140 pessoas mortas e centenas mais feridos e
presos.
Houve um aumento na Corte marcial. Diversos soldados e oficiais foram presos em
2017 por suspeita de vários crimes. Neste ano, 90 já foram detidos, segundo os
especialistas.
Os generais mais velhos regularmente apoiam Maduro em eventos televisionados
em uma determinação de força, mas, em privado, eles estão mais inclinados a
reclamar sobre sua liderança, disse Alonso Medina Roa, um advogado que defende
alguns dos detidos militares.
Miraflores Palace/Handout/Reuters
Ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino Lopez, participa de treinamento
militar.
Ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino Lopez, participa de treinamento militar (Miraflores Palace/Handout/Reuters) |
O general Vladimir Padrino Lopez, que comanda as Forças Armadas da Venezuela
como Ministro da Defesa, anunciou planos em março para melhorar as condições
dos soldados que lutam contra os desafios económicos. Mas ele negou que
houvesse agitação generalizada nas fileiras e ridicularizou rumores de um golpe
militar.
"As Forças Armadas bolivarianas não serão divididas por ninguém", disse ele,
falando na maior base militar do país em Caracas.
O almirante Remigio Ceballos, chefe do comando estratégico das Forças Armadas,
negou qualquer êxodo em massa de soldados, enfaticamente dizendo ao AP: "de
jeito nenhum, isso é mentira."
Famílias de soldados apresentam uma imagem muito mais sombria.
Odalys Bermudez, mulher de um sargento da Guarda nacional, disse que conta com
"milagres" para alimentar seus quatro filhos com idade entre 5 e 12 anos. Alguns
dias, a mulher de 30 anos de idade pega dinheiro emprestado de amigos, ou monta
uma loja improvisada do lado de fora de seu apartamento perto da base militar em
Maracay.
"Eu vendo qualquer coisinha, seja sorvete ou biscoitos", disse ela. "Qualquer coisa
que eu possa conseguir para preencher o buraco no meu estômago."
UOL/montedo.com