Abril de 2017: soldados das forças especiais alemãs exibem suas armas (Fabian Bimmer/ Reuters) |
Guillermo D. Olmo - @BBCgolmo - Da BBC Mundo
Quando, em 2014, um grupo de militares alemães se apresentou para um exercício
militar conjunto da Otan (aliança militar ocidental), na Noruega, armados somente
com pedaços de madeira, os exércitos dos outros países ficaram espantados.
Os soldados da Bundeswehr, como é conhecido o Exército alemão, se juntavam
naquela ocasião aos demais militares da Força de Reação Rápida da Otan, criada
para responder à intervenção russa nos conflitos que levaram à independência da
Crimeia da Ucrânia.
Como a Alemanha não contava com fuzis suficientes para todo o seu efetivo, os
tacos de madeira pintados de preto foram a solução. A Alemanha é a quarta maior economia do mundo e é reconhecido como o país
mais poderoso e influente da União Europeia. No entanto...
"Suas capacidades militares de modo algum são equiparáveis ao seu peso
econômico ou diplomático", destaca Jonathan Marcus, analista da BBC
especializado em segurança e defesa.
"O Exército alemão foi aniquilado nos últimos anos e grande parte de seus
equipamentos estão obsoletos ou mal conservados", diz.
Em várias oportunidades, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se
queixou de que os membros europeus da Otan não têm investido o suficiente em
defesa. Embora os Estados-membros tenham se comprometido em 2014 a investir
2% do Produto Interno Bruto (PIB) em defesa, a Alemanha só mobilizou 1,2% para
este setor, muito abaixo do destinado por outras grandes potências da Europa
Ocidental, como Reino Unido (2,14%) e França (1,79%).
Ante a pujança da economia alemã, diz Marcus, críticos alegam que o país "não está
gastando o suficiente em defesa e que sua contribuição não é proporcional a suas
possibilidades".
Berlim contesta dizendo que investimento em cooperação internacional é mais
eficaz para prevenir conflitos do que o dinheiro gasto em programas de armamento.
Se por um lado Trump quer que a Alemanha e outros países europeus aumentem
seu gasto militar, a ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen, já manifestou
"preocupação" pela redução do aporte de recursos dos Estados Unidos a
organismos internacionais, como as Nações Unidas.
Fiel à tradição de não aderir a ações militares que não contem com o respaldo da
ONU, a Alemanha não participou da recente ofensiva conjunta de Estados Unidos,
França e Reino Unido na Síria em resposta ao suposto uso de armas químicas por
parte das tropas leais ao presidente Bashar al-Assad.
Dependência
Jufy Dempsey, editora do centro de análise Strategic Europe, explicou à BBC que a
segurança da Alemanha "depende fortemente dos Estados Unidos, da França e da
Otan".
Em maio de 2017, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, afirmou que "os tempos
em que poderíamos depender totalmente dos outros estão acabando". Mas nada
indica que a capacidade técnica e armamentista da Bundeswehr tenha melhorado
nos últimos anos.
Karl-Heinz Kamp, presidente da Academia Federal para Política e Segurança - um
organismo governamental que se dedica à capacitação de agentes públicos da
Alemanha - afirma que investimentos estão sendo feitos, embora tenham passado
despercebidos.
"Nos últimos anos, temos incrementado o orçamento da Defesa, mas isso não foi
notado porque o PIB está crescendo ainda mais rapidamente. Por isso, temos nos
afastado do famoso objetivo de 2% da Otan, em vez de nos aproximarmos", diz à
BBC. Segundo Kamp, o gasto com a Defesa cresceu em termos absolutos, mas o
PIB aumentou ainda mais, afastando o país da meta.
"O governo planeja investir muito mais em defesa, chegando a um percentual de
1,5% do PIB em 2021."
A meta de 2% ficaria para 2024, segundo Kamp. Mas ele admite que a situação das
Forças Armadas alemãs ainda é precária. "Estão corretas todas as notícias sobre
submarinos que não navegam e tanques que não disparam."
De acordo com um informe de fevereiro baseado em entrevistas com os próprios
militares, os seis submarinos 212A da Marinha alemã estão fora de serviço. Essa é
também a situação de 244 carros de combate.
A frota de aviões de transporte A400M sofre com manutenção deficiente, e a
escassez de aeronaves atrasa, com frequência, o traslado das tropas.
Mas os problemas não afetam apenas os armamentos mais sofisticados. Faltam
bens de uso cotidiano das tropas, como roupa de proteção, óculos de visão noturna
e peças de reposição para automóveis.
O representante das Forças Armadas no Parlamento alemão, Hans-Peter Bartels,
atribui esses problemas aos "25 anos de cortes no orçamento" da Defesa. Já Kamp
afirma que o fim da Guerra Fria e a sensação de que um conflito seria improvável
levaram, a partir de 1990, a que quase todos os países europeus se "descuidassem"
de suas Forças Armadas.
"Conduzimos o carro sem manutenção, óleo, nem reposições, e agora está
acontecendo o que acontece com todos os carros velhos", resume.
Dempsey, por sua vez, aponta que o problema não é só de dinheiro, mas também de
gestão. "Há uma grave falta de planejamento", critica.
"Comparado com outros exércitos, grande parte dos recursos vai para custeio de
pessoal em vez de para a renovação e treinamento das equipes."
A ministra Von der Leyen prometeu, em fevereiro, que o novo governo de coalizão
manteria o aumento no orçamento da Bundeswehr. Ela advertiu, porém, que serão
necessários anos para corrigir as deficiências.
Receio de militarização
O baixo investimento no Exército alemão tem razão de ser. Jonathan Marcus
acredita que a situação atual "reflita o legado da Segunda Guerra Mundial e dos
anos de nazismo, assim como um forte consenso na política interna de receio ao
militarismo".
Dempsey afirma que, em um país ainda marcado pela dolorosa lembrança de Adolf
Hitler e do Terceiro Reich, "não agrada à classe política falar sobre Forças
Armadas".
Segundo a especialista, após a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a unificação
alemã, houve uma grande replanejamento militar.
"Basicamente se reduziu o tamanho (das Forças Armadas), quando foram
suprimidos o Exército da República Democrática Alemã, o Estado oriental aliado
com a União Soviética e o bloco comunista dos anos da Guerra Fria."
A reduzida Bundeswehr se envolveu em poucas atividades até os ataques de 11 de
setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas de Nova York (EUA). Após esse
episódio, as forças alemãs passaram a ser empregadas sob a bandeira da Otan em
missões de manutenção da paz e de estabilização que incluíram combates em
lugares como Afeganistão e Kosovo.
Algumas das missões foram alvo de polêmica. Em setembro de 2009, dezenas de
civis morreram em Kunduz, no Afeganistão, após o lançamento de bombas de caça
F-15 norte-americano sob instruções de um oficial de inteligência alemão que havia
alertado sobre a presença de guerrilheiros talebãs naquela área.
O incidente gerou protestos do governo afegão e culminou com a demissão do então
ministro da Defesa alemão, Franz Josef Jung.
O desafio russo
Como outros países da Europa, a Alemanha passou, nos últimos anos, a ver a
Rússia de Vladimir Putin como uma potencial ameaça.
A Conferência de Segurança de Munique, em 2014, marcou uma mudança de tom.
Passou a prevalecer a retórica de que a Alemanha precisa ter um poderio militar
compatível com sua importância e seu peso político e econômico no cenário
internacional.
Depois disso, Berlim impulsionou a assinatura, pela União Europeia, da
Cooperação Estruturada Permanente em Defesa. Os Estados Unidos encaram essa
proposta com receio, já que o acordo é visto como o embrião de um exército comum
no velho continente que poderia, eventualmente, entrar em contradição com a Otan.
Mas muitos dizem que os esforços alemães em aparelhar suas Forças Armadas têm
sido mais lentos que o esperado. Dampsey argumenta que o poder bélico de
"dissuasão da Alemanha ainda é fraco". Para ela, a maior garantia do país europeu
a uma eventual invasão russa continua a ser o artigo 5 do Tradado da Aliança
Atlântica, que diz que todos os países-membros devem responder solidariamente a
um eventual ataque contra qualquer um deles.
Venda de armas
A escassez de equipamentos da Bundeswehr contrasta com o dinamismo da
indústria armamentista do país, que foi o quarto maior exportador mundial de armas
em 2017, segundo dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de
Estocolmo.
Empresas como a Hekler & Koch, cujo fuzil G36 é um dos mais usados por Forças
Armadas de diferentes países, figuram na lista dos maiores fabricantes mundiais.
Após anos de críticas e protestos de ativistas, a Hekler & Koch anunciou em 2017
que deixaria de vender seus produtos em países em conflito e que pratiquem
violações sistemáticas dos direitos humanos.
UOL/montedo.com