Tribunal de Contas da União vê indício de superfaturamento em contrato dos Jogos Militares
Valores se aproximam de quase R$ 2,6 milhões. TCU vai convocar os citados para apresentar defesa ou devolver o que foi pago a mais
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES
Vista geral de parte da Vila Verde, em Deodoro: alguns dos edifícios integrantes do complexo construído para o evento foram entregues com apartamentos inacabados Roberto Moreyra-07-07-2011 / Extra/Agência O Globo |
RIO — O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou indícios de superfaturamento de quase R$ 2,6 milhões em um contrato firmado pelo Comitê Organizador dos Jogos Mundiais Militares de 2011 para o aluguel de mobiliário destinado às três vilas olímpicas construídas para hospedar atletas e outros participantes. O evento foi realizado no Rio, entre os dias 16 e 24 de julho do ano passado. Do total de verbas supostamente superfaturadas, mais de R$ 1,4 milhão chegou a ser pago. Quatro oficiais que trabalharam na organização da Rio 2011 e o fornecedor foram definidos como responsáveis solidários no voto do ministro Walton Alencar Rodrigues. O TCU convocará os citados para apresentar sua defesa ou devolver imediatamente o que foi pago a mais.
O superfaturamento teria ocorrido quando o Comitê Rio 2011 decidiu, no fim de 2010, alugar o mobiliário — camas, bebedouros, cestos de lixo, travesseiros, entre outros itens — em vez de comprá-lo. Os militares responsabilizados pelo TCU foram o general Jamid Megid Júnior (coordenador do Comitê de Planejamento da Rio 2011), o coronel Fernando Luiz Menna Barreto (membro do Comitê de Planejamento Operacional), o tenente-coronel José Augusto Moraes Llopis (membro da comissão de apoio ao Comitê) e o coronel Francisco Pinheiro Rodrigues Silva Netto (ordenador de despesas do evento). O TCU também determinou a manutenção do bloqueio de um saldo do contrato de pouco mais de R$ 1 milhão que ainda não havia sido pago à Mundmix Comércio e Serviços Ltda., fornecedora dos itens.
Em 2010, duas licitações foram feitas para as vilas. A primeira, que previa a compra do mobiliário, ofereceu, em outubro, preços mais em conta. Em dezembro, uma nova licitação, desta vez para o aluguel dos mesmos artigos, apresentou valores mais elevados. Apesar disso, o contrato foi fechado.
O valor original do contrato era de R$ 9,8 milhões, mas foi revisto para R$ 8,7 milhões, porque nem todos os materiais foram fornecidos, e o próprio Comitê Rio 2011 identificou itens com sobrepreço após a contratação. Se tivesse optado por comprar os mesmos produtos, o preço total teria sido de R$ 6,4 milhões.
Responsáveis culpam ‘burocracia’
Por ironia, parte do material não foi entregue por problemas identificados em relatórios anteriores do TCU. As obras nas vilas atrasaram. Duas delas foram inauguradas sem que todos os apartamentos estivessem prontos, reduzindo a necessidade de mobiliário. Na época, o TCU também questionou os preços para a construção da Vila da Aeronáutica, além de outros gastos como a contratação de três instituições ligadas às Forças Armadas para prestar serviços ao evento.
Na sexta-feira, O GLOBO procurou os oficiais por intermédio da assessoria de Comunicação do Ministério da Defesa, mas não eles foram localizados. O Ministério da Defesa, que coordenou os Jogos Militares, por sua vez, observou que ainda cabe recurso. E acrescentou que os órgãos de controle do ministério estão acompanhando o caso de perto.
Os militares tiveram direito a defesa prévia. Segundo o TCU, o general Jamil, por exemplo, culpou a “burocracia”. Disse que a demora da União para criar o Comitê Rio 2011 fez com que a entidade tivesse menos de dois anos (23 meses) para planejar e organizar o evento. A escolha do Brasil como país-sede dos Jogos Militares, porém, havia ocorrido em maio de 2007, mais de quatro anos antes. Jamil disse também que, como houve carência de pessoal — dos 1.500 cargos previstos, apenas 300 foram preenchidos —, o Comitê Organizador Rio 2011 buscou fornecedores com “alto grau de confiabilidade para desempenhar as tarefas”.
Além do aluguel dos materiais, o contrato previa que a empresa armazenasse os produtos e se responsabilizasse por sua montagem e desmontagem. No relatório, o TCU detalhou exemplos de sobrepreço. A diferença entre os artigos chegou a 219,2%, por exemplo, no que se refere ao fornecimento de 1.206 cestas de lixo com capacidade para 20 litros. O Comitê 2011 pagou aluguel de R$ 50 por cesta, quando tinha uma oferta para comprá-las por R$ 15,66. No caso dos bebedouros, 95 deles foram alugados por R$ 640 cada, quando o comitê poderia ter adquirido as mesmas unidades por R$ 401,90 cada (59,24% a menos). O mesmo modelo de varal de roupa que foi alugado por R$ 99,62 poderia ter sido comprado por R$ 48,29 (sobrepreço de 106,3%). Por travesseiros antialérgicos, pagou R$ 25 a unidade, quando o preço de compra era de R$ 9,99 (sobrepreço de 150,25%). Cada ferro de passar roupa custou R$ 100 ao Comitê Rio 2011, quando havia uma opção para comprar o artigo por R$ 34,59 (gastaria menos 89,10% ).
O TCU lembrou que a empresa contratada participou das duas licitações. E, na concorrência descartada que previa a compra dos itens, ofereceu preços menores O mesmo modelo de cama alugado por R$ 580 a unidade foi oferecido a R$ 315 para a compra.
Em seu relatório, o ministro Walton Rodrigues citou outra licitação com sobrepreço para complementar o mobiliário das vilas que favoreceu a Mundimix. Desta vez, a opção foi comprar 18 sofás por R$ 1.165,90 a unidade. Na licitação desprezada de outubro de 2010, modelo similar foi oferecido pela empresa por apenas R$ 378.
Os Jogos 2011 foram o primeiro de uma série de megaeventos que o Brasil promoverá nos próximos anos. Participaram 5.650 atletas de 88 países. Este ano houve a Rio+20. Em 2013 serão realizadas a Jornada Mundial da Juventude e a Copa das Confederações. Em 2014 é a vez da Copa do Mundo, e em 2016, dos Jogos Olímpicos. Muitos contratos relacionados a grandes eventos envolvem recursos fiscalizados pelo TCU.
O Globo/montedo.com