Carlos Velloso *
O julgamento do recurso especial, interposto de decisão de tribunal estadual, na matéria penal militar, deveria ser da competência do STM
Na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), manifestei-me pela permanência da Justiça Militar na estrutura do Poder Judiciário, ressaltando a relevância de suas atribuições no Estado democrático de Direito.
As Forças Armadas, as polícias e bombeiros militares, forças auxiliares e reservas do Exército, têm por base a hierarquia e a disciplina (Constituição Federal, artigos 142 e 42). Constituem as vigas mestras do estamento militar. E os militares, sejam das Forças Armadas, sejam das forças auxiliares, estão sujeitos a normas e preceitos diversos do pessoal civil (C.F, arts. 142, §§ 2º e 3º, art. 42, § 1º), o que se justifica.
É que os militares portam armas e são treinados para a guerra ou para o enfrentamento nas mais variadas espécies de conflitos. Não submetidos à hierarquia e rígida disciplina, podem transformar-se em bandos armados.
"A vida castrense tem peculiaridades", assinalou o desembargador Muiños Piñeiro, membro da comissão elaboradora do anteprojeto do Código Penal, que a "legislação comum não deve tocar, sob pena de se criar situações complicadas". Por isso, "a Justiça Militar tem que ter um tratamento diferenciado".
Perfeito o raciocínio. Uma transgressão disciplinar, que para o servidor civil não teria maior significação, para o militar é de grande relevância. Daí lecionar a ministra Elizabeth Rocha, presidente da Comissão de Reforma do Código Penal Militar, que "a importância da jurisdição penal militar faz-se imperiosa para a preservação da autoridade", dado que "a disciplina é a força e a vida das instituições militares, juntamente com a preservação dos princípios hierárquicos" ("Anotações sobre a Justiça Militar da União").
E a Justiça Militar --os tribunais militares, em forma de escabinatos, integrados por juízes militares e civis-- tem-se portado, desde a sua integração ao Judiciário, em 1934, com galhardia e correção.
O testemunho do advogado Técio Lins e Silva enfatiza: quando à Justiça Militar cabia julgar os crimes políticos, ela "teve um papel de legalidade, manteve sua coerência de Poder Judiciário", o que "possibilitou a atuação dos advogados".
Não é menos expressivo o depoimento de Evaristo de Moraes Filho: "O milagre brasileiro foi a Justiça Militar, porque ela funcionava". Sobral Pinto declarou: "Eu sou um entusiasta da Justiça Militar", "uma justiça humana que sabe perfeitamente que muitas injustiças se praticam baseadas na impunidade da força e do poder". (Elizabeth Rocha, ob. cit.). São testemunhos de advogados, os juízes dos juízes.
Excessos de conduta de policiais --recentemente ocorridos em manifestações pacíficas-- recebem enérgico corretivo por parte da Justiça Militar, porque a impunidade solapa a disciplina e a hierarquia. Garantir tais princípios é missão precípua da Justiça Militar, o que tem sido realizado.
A redução do número de ministros do Superior Tribunal Militar (STM) para 11 justifica-se. Ademais, é necessário pensar-se na ampliação de sua competência recursal.
O julgamento do recurso especial, interposto de decisões dos tribunais estaduais, na matéria penal militar, deveria ser da competência do STM, o que importaria na uniformização da jurisprudência no tocante à matéria penal militar, porque os códigos são os mesmos.
Outras questões que dizem respeito aos militares como, por exemplo, infrações disciplinares em sede de mandado de segurança, habeas corpus e ações ordinárias devem passar à jurisdição militar, o que, aliás, é objeto da PEC 358/2005, que dá prosseguimento à reforma do Judiciário, em tramitação na Câmara dos Deputados. Um dos ministros do STM deveria integrar o Conselho Nacional de Justiça. O seu corregedor, certamente.
Com bons serviços prestados ao país, a Justiça Militar deve ser tratada com justiça.
* Carlos Mário da Silva Velloso, 77, é advogado. Ex-ministro, foi presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Folha de São Paulo/montedo.com