"Está errado o povo? A resposta a essa  pergunta será dada em algum  momento, no futuro. De pronto, a  explicação que ocorre é a de que,  talvez, o povo de Lula seja  constituído de consumidores, não de  cidadãos."
Editorial 
Não é  por acaso que o Gabinete Civil da Presidência da  República tem estado  envolvido em quase todos os grandes escândalos do  governo Lula. A  começar pelo mensalão, operado por José Dirceu, até a  recentíssima  denúncia de descarado tráfico de influência por parte da  ministra  Erenice Guerra e seus familiares, boa parte de todo o malfeito,  do  ilegal, da pura e simples corrupção que eclode no governo federal  tem o  dedo do Palácio do Planalto. O dedo de Luiz Inácio Lula da Silva, o   grande responsável pelo desenvolvimento econômico dos últimos oito   anos; pela incorporação de milhões de cidadãos antes marginalizados ao   mercado de consumo; pela ascensão do País à condição de, vá lá, player   importante na diplomacia mundial. Se tudo de bom que se faz no governo é   de responsabilidade do “cara”, por que apenas o que de errado se faz  no  governo não tem dono?
Por  muito menos do que se tem revelado ultimamente de lambanças com  as  instituições do Estado e com o dinheiro público um presidente da   República foi forçado a renunciar há menos de 20 anos.
Mas  com Lula é diferente. Embriagado por índices de popularidade sem   precedentes na história republicana, inebriado pela vassalagem   despudorada que lhe prestam áulicos, aderentes e aduladores das mais   insuspeitadas origens e dos mais suspeitosos interesses, Sua Excelência   se imagina pairando acima do bem e do mal, sem a menor preocupação de   manter um mínimo de coerência com sua própria história política e um   mínimo de respeito pelo decoro exigido pelo cargo para o qual foi   eleito.
Sempre  que os desmandos flagrados pela Imprensa ameaçam colocar em  risco seus  interesses políticos e eleitorais, Lula recorre sem a menor  cerimônia à  mesma “explicação” esfarrapada: culpa da oposição - na qual  inclui a  própria Imprensa. A propósito das violações de sigilo  comprovadamente  cometidas recentemente pela Receita Federal - não  importa contra quem -  não passou pela cabeça de Sua Excelência, nem que  fosse apenas para  tranquilizar os contribuintes, a ideia de admitir a  gravidade do  ocorrido e se comprometer com a correção desses desvios.  Preferiu a  habitual encenação palanqueira: “Nosso adversário, candidato  da turma  do contra, que torce o nariz contra tudo o que o povo  brasileiro  conquistou nos últimos anos, resolveu partir para ataques  pessoais e  para a baixaria.” Não há maior baixaria do que um chefe de  Estado usar o  horário eleitoral de seu partido político para atacar, em  termos pouco  republicanos, aqueles que lhe fazem oposição. E faltou  alguém lembrar  ao indignado defensor dos indefesos que entre “tudo que o  povo  brasileiro conquistou nos últimos anos” estão a Constituição de  1988, o  Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras  iniciativas  fundamentais para a promoção social e o desenvolvimento  econômico do  País, contra as quais os então oposicionistas Lula e PT  fizeram  campanha e também votaram no Congresso.
Enquanto  os aliados de Lula e de Sarney - a quadrilha que dilapidou o   patrimônio público do Amapá - vão para a cadeia por conta das   evidências contra eles levantadas pela Polícia Federal; enquanto os   aliados de Lula - toda a cúpula executiva e legislativa, prefeito e   vereadores, do município sul-mato-grossense de Dourados - pelo mesmo   motivo vão para o mesmo lugar; enquanto na Receita Federal - não importa   se por motivos políticos ou apenas (!) por corrupção - se viola o   sigilo fiscal de cidadãos e as autoridades responsáveis tentam jogar a   sujeira para debaixo do tapete; enquanto mais uma maracutaia petista é   flagrada no Gabinete Civil da Presidência; enquanto, enfim, a mamata se   generaliza e o presidente da República continua fingindo não ter nada a   ver com a banda podre de seu governo, a população brasileira, pelo  menos  quase 80% dela, aplaude e reverencia a imagem que comprou do  primeiro  mandatário, o “cara” responsável, em última instância, pela   republiquetização do País.
 Está  errado o povo? A resposta a essa pergunta será dada em algum  momento,  no futuro. De pronto, a explicação que ocorre é a de que,  talvez, o  povo de Lula seja constituído de consumidores, não de  cidadãos.
O ESTADO DE SÃO PAULO