CARLOS LESSA
Tendo  sido exilado e discriminado durante os anos da ditadura militar,  militei contra o terrorismo de Estado e me esforcei - e continuo me  esforçando - pela via democrática de construção de uma civilização  brasileira. Assim, sinto-me inteiramente à vontade para afirmar ser  indispensável o fortalecimento das Forças Armadas brasileiras para que  venhamos a construir um Brasil justo, integrado e com escassas  diferenças de padrão de vida.
A  pressão internacional sobre a Amazônia é direcionada pela ideologia  neoliberal da globalização. A definição do Brasil como o "celeiro do  mundo" ameaça o patrimônio biológico da Amazônia. Carne de boi e soja  baratas exigem capim e desmatamentos, porém a pressão internacional se  alimenta de outra vertente. O Brasil, retornando ao padrão da República  Velha e sendo exportador de alimentos e matérias-primas, fornece munição  aos ideólogos, ecologistas e quintas colunas ecológicas para propor -  em nome da defesa da humanidade - a preservação do ecúmeno amazônico.  Essas forças conseguem paralisar projetos hidrelétricos e logísticos de  imensa importância para o país.
De  longa data, Arthur César Reis escreveu o livro "A Amazônia e a cobiça  internacional". Nele reconstruiu, com precisão, as múltiplas tentativas  de diversas potências de abocanharem pedaços da Amazônia brasileira. Nas  últimas décadas, é visível e pérfida a atuação de potências  estrangeiras em busca do domínio da Amazônia, nosso Eldorado verde.
A  Marinha brasileira sempre falou da Amazônia azul. Hoje, com o pré-sal,  nosso Eldorado azul é objeto de cobiça provavelmente superior à  provocada pelo Eldorado verde. A Amazônia verde é compartilhada com  diversos países latino-americanos, e sempre existe a possibilidade de  conflito entre irmãos, mas a Amazônia azul vai muito além das 200 milhas  de costa marítima soberana e é possível uma controvérsia internacional  nas jazidas de pré-sal que estão fora dos limites brasileiros.  Obviamente, quanto mais efetiva for a integração sul-americana e a  combinação finada de interesses, mais fácil será para o Brasil  preservar, para gerações futuras, nossos Eldorados. Claro está, também,  que as chances de integração dependem do dinamismo da economia  brasileira. A mediocridade macroeconômica abre a região às piores  projeções da globalização e multiplica riscos de conflitos regionais.
Creio  que os brasileiros deveriam ver, na atuação militar em defesa da  Amazônia, uma continuação da obra de Rondon: "Integrar para não  entregar". Aumentar o recrutamento de profissionais militares nas etnias  amazônicas é uma prioridade pedagógica nacional. O Brasil deveria  incluir o Programa Calha Norte no PAC, e a universidade brasileira  deveria ser convocada para o estudo exaustivo das potencialidades da  Amazônia e conhecimento das realidades antropológicas dos amazônicos.  Acredito que as Forças naval e aérea têm de ser modernizadas e  ampliadas. O Brasil precisa dessas forças para dissuadir e retardar  pressões em relação ao Eldorado azul. É evidente que a logística de  nosso EXÉRCITO, na Amazônia, depende de sofisticado sistema de  transporte de tropas, equipamentos e munição. É fundamental uma flotilha  do Amazonas. No Projeto Calha Norte, deveriam ser multiplicadas as  bases aéreas.
O  Brasil não tem um projeto nacional de desenvolvimento. Adotou a  consigna de "exportar é a solução" e pretendeu "integrar-se  competitivamente", com bens industrializados e serviços sofisticados,  num mundo globalizado. Essa diretiva pró-globalização está desenvolvendo  comportamentos de retrocesso: cresce, sem parar, a participação da  agropecuária e declina a exportação industrial. É visível a timidez  empresarial para a multiplicação de investimentos internos, se bem que  nossos grandes grupos sobreviventes estejam investindo fora do Brasil.  Deixamos de ser um país receptor de mão de obra para exportar jovens.
O  Itamaraty calcula que 3.300 mil brasileiros tenham migrado  definitivamente para o exterior. Essa é uma das piores manifestações de  pouco dinamismo em países periféricos. Sem dúvida, a crise mundial e as  barreiras à imigração devem reduzir essa tendência.
O  Brasil precisa elevar a taxa de investimentos dos atuais 18% do PIB  para 21%, 22%, se tivermos a pretensão de crescer 5% ao ano. Para esse  resultado, é necessário elevar o investimento público para um padrão  entre 6% e 7% do PIB (praticamente o dobro da participação atual).
Temos,  hoje, na economia do petróleo, uma fonte de esperança e de medo. Se a  economia do petróleo se apoiar integralmente no desenvolvimento  brasileiro industrial e de serviços, se a economia do petróleo não cair  no "canto da sereia" da exportação de óleo cru, se mantivermos a  prioridade de fontes energéticas renováveis e adotarmos uma política de  não desperdício de derivados de petróleo, temos, próximo à nossa mão, um  projeto nacional de desenvolvimento que exige Forças Armadas  modernizadas e com poder dissuasivo: precisamos de submarinos caçadores  de submarinos atômicos de outros países, precisamos evoluir rapidamente  na tecnologia de mísseis, fortalecer a indústria de produtos de defesa. É  necessário que utilizemos os ganhos da economia do petróleo na rápida  evolução das políticas sociais, a começar pela educação.
É  necessário perceber que o mercado não substitui a Nação, para que nossa  juventude confie numa futura civilização brasileira e possa ser  mobilizada em seus sentimentos patrióticos e de identidade nacional. Sei  que o simples alistamento militar (Tiro de Guerra) não substitui o  profissional operador de modernas tecnologias, porém o Serviço Militar  obrigatório deve ser restaurado, pois é um momento privilegiado de  percepção da existência da Pátria.
Finalmente,  ressalto que é necessário repudiar qualquer sugestão de utilizar as  Forças Armadas como instituições policiais internas, por múltiplas  razões. Quero destacar que, à exceção da Convenção de Genebra, as Forças  Armadas não podem ser limitadas em suas ações, ao passo que a polícia  deve partir do bom comportamento do cidadão e, se dele suspeitar,  respeitar regras definidas. Uma maneira de destruir a capacidade das  Forças Armadas é desperdiçá-la no combate a qualquer desvio  comportamental civil interno.
Carlos  Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa, professor emérito de  economia brasileira e ex-reitor da UFRJ, foi presidente do BNDES.  Escreve mensalmente às quartas-feiras.VALOR ONLINE