Luiz Ernesto Magalhães e Vera Araújo 
O Rio será sede, nos próximos anos, de uma série de grandes eventos  esportivos, e o primeiro deles já está sendo investigado. Faltando cerca  de 300 dias para a realização dos V Jogos Mundiais Militares, o  Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou indícios de irregularidades  em contratos para a competição que somam R$ 27,3 milhões. Eles foram  firmados sem licitação pelo Ministério da Defesa com três instituições  ligadas às Forças Armadas, para a prestação de serviços que incluem a  implantação de toda a tecnologia a ser utilizada no evento. Na lista de  obrigações, há desde o desenvolvimento de programas de computador a  consultorias para preparar licitações. Em dois casos, os problemas não  se limitaram à falta de licitação: segundo o TCU, entre outras  irregularidades, faltam elementos que comprovem que os valores  contratados para serem pagos aos consultores responsáveis pela  elaboração dos projetos são compatíveis com os cobrados no mercado.    
Os jogos estão marcados para 16 a 24 de julho de 2011. Depois deles,  acontecerão outros megaeventos esportivos, como a Copa das  Confederações, em 2013; a Copa do Mundo, em 2014; e as Olimpíadas de  2016.  
São três contratos investigados. O de maior valor foi com a  Fundação Ricardo Franco (FRF), vinculada ao Instituto Militar de  Engenharia (IME), para a prestação de serviços que somam R$ 19,5  milhões. Como O GLOBO revelou numa série de reportagens em maio deste  ano, a entidade é suspeita de fraudes em várias licitações do próprio  IME e do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit),  realizadas entre 2004 e 2006, que chegam a R$ 15,5 milhões e estão sendo  investigadas pelo Ministério Público Militar. Mais R$ 4,8 milhões foram  destinados à Fundação de Apoio Roberto Trompowsky Leitão de Almeida. A  terceira instituição contratada para os V Jogos Mundiais Militares, por  R$ 3 milhões, é o Instituto de Fomento e Inovação do Exército Brasileiro  (Ifiex). "Essas e outras entidades vêm prestando serviços sem  licitação, fato que não se justifica diante dos serviços  envolvidos  (...) que, em princípio, poderiam ser licitados (...)", diz um trecho do  relatório do TCU votado na semana passada. 
O texto  mostra também que duas dessas entidades têm um bom trânsito em órgãos  federais. Segundo o Tribunal de Contas da União, dados do Sistema  Integrado de Administração Financeira (Siafi), relativos a 2009 e 2010,  indicam que apenas com a Fundação Ricardo Franco foram contratadas  despesas sem licitação de R$ 126,1 milhões. Já com a Fundação de Apoio  Roberto Trompowsky Leitão de Almeida, foram firmados contratos de R$  27,8 milhões.  
Os R$ 19,5 milhões a serem repassados, pelo Departamento de  Ciência e Tecnologia do Exército, à Fundação Ricardo Franco, são  destinados ao pagamento de consultorias. A equipe contratada está  elaborando os termos que servirão de base para licitações dos sistemas  de telecomunicações e de segurança dos jogos. Para o TCU, porém,  faltando apenas dez meses para a realização do evento, ainda não há uma  definição precisa do que será licitado. Os técnicos criticam ainda o  fato de, no processo, não terem sido aproveitadas as experiências  acumuladas com a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Na época,  uma tecnologia similar foi contratada.  
O TCU também questionou a base de cálculo usada para fixar o  pagamento à Fundação Ricardo Franco. O valor de R$ 19,5 milhões teve  como base a média aritmética da cotação com quatro empresas, que  ofereceram preços entre R$ 2 milhões e R$ 38,2 milhões. A variação de  1.800% entre as cotações, segundo o tribunal, pode ter gerado  distorções. Foram encontrados também conflitos em relação ao uso de uma  tecnologia especial de radiofrequência para controle de acesso às  instalações do evento. O projeto básico desenvolvido ficou restrito ao  controle de materiais. No entanto, o contrato firmado com a entidade  previa que o sistema seria aplicado em 42 mil credenciais a serem usadas  durante os jogos.  
O Ifiex foi contratado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia  do Exército para desenvolver os programas que gerenciarão todo o sistema  de informática dos V Jogos Mundiais Militares. O convênio prevê gastos  de R$ 2,6 milhões para pagar os salários de 147 profissionais por um  período de até 18 meses. Mas o TCU constatou, com base nas planilhas  salariais, que o gasto com pessoal não passaria de R$ 1 milhão, já  incluindo aí a quitação das obrigações trabalhistas.  
Além disso, faltam referências que permitam aos técnicos do TCU  comparar, com serviços similares oferecidos pelo mercado, o que será  pago pelos produtos que estão sendo desenvolvidos para os jogos.  
Os fiscais não entraram em detalhes sobre as irregularidades do  convênio com a Fundação Trompowsky. Técnicos do Tribunal de Contas da  União informaram que não tiveram acesso à documentação solicitada. As  investigações, porém, vão continuar. Em seu voto, o ministro-relator  José Jorge determinou a abertura de um processo de acompanhamento dos  preparativos do evento, para monitorar as consultorias.  
Em nota, o Centro de Comunicação Social do Exército negou as  irregularidades. Segundo a entidade, os convênios com as fundações  "cumpriram plenamente o ordenamento jurídico vigente". O Exército disse  ainda que as despesas realizadas são compatíveis com o previsto no seu  orçamento. Ainda segundo a corporação, os problemas detectados na  auditoria do TCU, como a falta de detalhamento de projetos básicos, já  teriam sido sanados.