Arma usada para executar advogado por engano teria saído do paiol do 59º Batalhão de Infantaria
ODILON RIOS LIMA
A Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasilia, começou a investigar uma organização criminosa, em que é citado um desembargador do Tribunal de Justiça em Alagoas e um empresário, responsável por elaborar um plano para matar o juiz da 4a Vara Cível de Maceió, Marcelo Tadeu - considerado magistrado "linha dura" no Estado.
Segundo ofício do Ministério Público Federal, encaminhado a PGR, em 24 de fevereiro-ao que o Terra teve acesso - Marcelo Tadeu seria morto no dia 3 de julho de 2009 - uma sexta-feira - na avenida João Davino, em Maceió, uma das mais movimentadas da área nobre.
A arma, uma pistola ponto 40, de uso exclusivo da policia, foi retirada do 59o Batalhão de Infantaria Militar - a sede do Exército alagoano. Ela estava guardada junto a outras, em um paiol do Tribunal de Justiça - que ficava no Exército. Constava em processo como prova de outros assassinatos. O preço do crime: R$ 20 mil. Após o crime, a arma voltaria ao Exército. E, ficaria como até hoje está: escondida. Nunca foi feito exame de balística.
O plano não deu certo porque o funcionário da empresa Qualitec - que prestava serviço para o Grupo Empresarial OAS - o advogado mineiro Nudson Harley Mares de Freitas, há 15 dias em Maceió, foi morto no lugar do juiz. Ele estava vestido de calça jeans e camisa polo, mesma roupa que Marcelo Tadeu usava. E ambos, que não se conheciam, estavam a 50 metros de distância um do outro. O juiz Marcelo Tadeu estava com a família no estacionamento de uma farmácia, na avenida João Davino. Seguiria para casa, no bairro de Guaxuma, em Maceió.
Tão grave é o assunto que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, quando esteve em Alagoas há duas semanas, conversou com Marcelo Tadeu e pediu para encontrá-lo, em Brasília, nas próximas semanas. Integrantes do Tribunal de Justiça de Alagoas contactaram a ministra corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, para que providências sejam tomadas. Tudo corre em segredo de Justiça.
Marcelo Tadeu Lemos Oliveira, o magistrado, tem um histórico diferente da maioria dos integrantes do Judiciário local: ajudou a colocar, atrás das grades, integrantes da Gangue Fardada- organização criminosa formada por policiais militares e mantida financeiramente por usineiros e políticos de Alagoas; à frente da Vara de Execuções Penais, extinguiu o regime semi aberto porque ele era "de fachada" em Alagoas; fechou o presídio São Leonardo por ele apresentar riscos aos presos; denunciou um usineiro na morte do tributarista Sílvio Vianna.
Na 4a Vara Cível de Maceió - que cuida também de processos de usineiros- lavrou decisões incômodas, como tomar bens dos milionários do setor do açúcar e álcool.
Mas, as atividades como juiz eleitoral no sertão alagoano trouxeram riscos maiores. Tadeu cancelou doze mil títulos eleitorais e acusou um vice prefeito de ter diploma falso. Marcelo Tadeu cassou o mandato do prefeito -irmão do desembargador que teria elaborado o plano de morte- e do vice. Eles recorreram ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e perderam. Reverteram a decisão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, por causa do tempo, o prefeito só ficou dois meses na Prefeitura.
Prolatadas as decisões, assinou a própria sentença de morte. Mexeu com usineiros, parentes do desembargador, familiares de poderosos. Juntos, os setores queriam matá-lo.
"Como supostos interessados na sua morte, estariam usineiros que teriam perdido bens por força de decisões suas, além do aparente e surreal interesse de um membro do poder judiciário de Alagoas", diz um trecho do documento encaminhado, pelo MPF de Alagoas, à Procuradoria da República, em Brasília.
"Sou tratado como maluco. Vou esperar que as instituições deem as respostas", disse o juiz, que não quis falar sobre o assunto.
"O Nudson morreu como bandido em Alagoas Inventaram histórias sem pé nem cabeça sobre ele. Disseram que ele tinha envolvimento com uma garota, namorada de traficante; depois, disseram que a versão não tinha nada a ver. Não tenho dúvidas: ele for morto por engano", disse uma integrante da família do advogado, que mora em Minas Gerais. Ela pediu para não ser identificada.
"Não recebemos resposta de nada. Tentamos falar com o Ministério Público, que mantinha contato conosco. Todos fugiram. Sem oferecer respostas. A impressão que querem passar é de que não houve nada", disse.
"Não foi feito exame de balística. Porque não encontramos a arma, que era uma pistola ponto 40. Arma de uso da polícia", disse a delegada Scheila Carvalho.
"Está citado, na investigação, que esta arma saiu do 59o BIMTz. Mas, não quero entrar em detalhes", confirmou a delegada.
"É uma investigação complexa. Como delegada, procuro fazer com que qualquer crime tenha solução, independente da vítima. Trata-se de uma vítima. É lamentável deixar uma pessoa ser responsabilizada por um crime de homicídio. Não gostaria de deixar este crime impune. O que for possível de ser fazer, vai ser feito", disse.
O presidente da Associação dos Magistrados de Alagoas (Almagis), juiz Pedro Ivens, disse que não se pronunciaria sobre o caso. Através da assessoria, contou que "não há nada oficial sobre o caso". A assessoria foi avisada do ofício enviado, pelo Ministério Público Federal, à Procuradoria Geral da República, relatando detalhes sobre o crime e o envolvimento de um integrante do Tribunal de Justiça. A assessoria insistiu: "não há nada oficial sobre o caso".
Terra/montedo.com