Entrevista
Luiz Clovis Pozza
“O governo tem medo das forças armadas”
O capitão aviador aposentado da Força Aérea, Luiz Clovis Pozza, morador de Tubarão, conta como foi a sua vida militar, as missões, o contato com os índios da Amazônia e analisa a situação atual dos militares.
Thiago Oliveira
Tubarão
Com 1,90 metro de altura, Luiz Clovis Pozza sabia que tudo na sua vida tinha que ser grande. Inclusive os seus sonhos. Nascido em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, veio ainda criança para Tubarão. Na Cidade Azul, desejou tornar-se aviador. Foi atrás do seu objetivo e tornou-se capitão aviador da reserva da Força Aérea Brasileira. Passou a maior parte da vida militar em missões de resgate na Amazônia. Em uma das suas voltas para casa, presenciou o drama da enchente que devastou a cidade em 1974. Precisou abandonar a vida nos ares em 78, para administrar os negócios da família, mas nunca largou o amor pelos aviões.
Notisul - Da onde surgiu esse gosto pelos aviões?
Pozza - Nasci em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Saí de lá com 1 ano de idade. De lá, eu vim para Tubarão. Me criei aqui. Quando me dei por gente, fui internado em um colégio em São Ludgero, onde fiz o primário. Depois, estudei no ginásio Sagrado Coração de Jesus, onde é hoje a Unisul. Lá, fiz o curso científico. E em todo esse tempo eu sempre tive o sonho de ser aviador. Sempre tive. Tudo o que eu fazia na escola era em preparação para ser aviador. Quando fazia o científico, entrei em contato com a Varig. Eles me mandaram apostilas informando como era, como eu seria recebido. Na época da revolução militar de 1964, eu terminei o meu curso científico. Estava pronto para entrar na escola da Varig. No fim do ano, coloquei uma mochila nas costas, peguei um ônibus e embarquei para Porto Alegre. Cheguei e descobri que a revolução tinha fechado a escola da Varig. Para não deixar de estudar, fui até Florianópolis, me inscrevi no vestibular, passei em engenharia mecânica e fiquei lá, estudando na Ufsc. Lá conheci a base aérea e estudei para fazer concurso no fim do ano.
Notisul - E preferiu os aviões do que a engenharia?
Pozza - Fiz um ano de engenharia. Em outubro de 1965, fiz o concurso para a Força Aérea Brasileira (FAB), e passei. Disseram que era para ficar em casa, aguardando um telegrama. E eu não esperei. Quando eu vi que tinha sido aprovado, me mandei para o Rio de Janeiro. Eu sabia que a escola de aeronáutica, para onde eu fiz o concurso, ficava em Campo dos Afonsos. Peguei o que tinha de roupa em casa e me mandei para lá. Demorou umas 30 horas para chegar.
Notisul - Lá começou a sua vida militar?
Pozza - Isso. Cheguei lá, entrei na escola da aeronáutica, cheia de soldados na entrada. Avisei que eu tinha sido aprovado, e o homem me falou que eu tinha que esperar o avião passar por lá para buscar o pessoal que vinha do sul. E eu falei que não quis esperar, queria ir para lá. E naquele dia já me colocaram no alojamento como soldado. Estava tranquilo, pois já tinha onde dormir, onde comer, onde lavar a minha roupa. Me matriculei na escola da FAB. Fiquei lá uns dois meses.
"O governo não dá apoio para as forças armadas. Não querem forças armadas modernas. Não querem submarinos modernos, tanques modernos”.
Notisul - Seu treinamento foi feito nestes dois lugares?
Pozza - As aulas teóricas e as práticas começaram em Campo dos Afonsos. Lá também fizemos muitas horas de voo. A parte mais avançada foi feita em Pirassununga. Depois que terminei todo o curso, eu fui transferido para Natal. Fui declarado aspirante. Estava começando a carreira militar de fato. Fiquei lá de 1969 até 72, dando instrução de vôo para o centro de formação de pilotos militares. Por ser muito grande, não fui para a aviação de caça, pois eles possuem cabines muito pequenas. Então, fui para o bombardeio com os aviões grandes. E eu queria voar, não importava em qual avião. Podia ser até um teco-teco. Depois, trabalhei no Esquadrão Pelicano. Usávamos um avião bandeirante, que fazia busca de aeronaves perdidas. Com todos os equipamentos necessários. Achado o avião, passava a posição para o helicóptero. Já descia gente com a motosserra para abrir, pessoal para resgatar os sobreviventes. Ou retirar os mortos. Eu fiquei lá de 1972 até 78. Minha vida foi praticamente toda dentro da Amazônia, fazendo patrulha e salvamento. E fiquei na aeronáutica nesses 14 anos. Depois, tive que me demitir, porque o meu pai tinha uma cerâmica aqui em Tubarão e precisavam de mim. Tenho irmãs, e meus cunhados não quiseram assumir. Então, precisei vir para assumir a empresa.
Notisul - Desde então, não fez mais nada na FAB?
Pozza - No primeiro e segundo ano, eu sempre ia fazer readaptação, na reserva, mas depois não tinha necessidade.
Notisul - E qual o seu cargo quando saiu?
Pozza - Saí como capitão aviador da reserva da Força Aérea Brasileira.
“Depois que eu saí da aeronáutica, as pessoas vinham me procurar para indicar os filhos. E eu indicava todo mundo. Mas de uma hora para outra, parou.”
Notisul - De que tipo de missões o senhor participou?
Pozza - Foram muitas missões. Na maioria, buscas na floresta. A gente trabalhava sempre em condições bastante adversas. Quando ia procurar um avião que desapareceu na Amazônia, era muito complicado. Pois lá é cheio de mudanças de tempo, de temperatura, e tem que voar em baixa altura. Trabalhávamos sempre no limite. Tínhamos que fazer todo um planejamento antes de monitorar a área. Depois procurar no meio das árvores. Voamos toda a Amazônia resgatando aviões. As chances de achar alguém com vida eram quase descartadas. Era selva. Só na batida já estraçalha tudo. Afinal, são árvores de 30 metros de altura. É uma missão que tem que se doar para isso. Tanto que o nosso lema era “para que outros possam viver”. Era o lema do Esquadrão Pelicano. E tinha esse nome pois a ave, se vê que o filho passando fome, dilacerava-se para dar comida. Sacrifica-se pelos outros. Assim como o esquadrão. Adquirimos muita experiência neste tipo de missão. O avião que eu voava era o Albatroz, um avião anfíbio. Ele pousa na pedra, na grama, no asfalto, no gelo, na água e na lama. Fazia coisas inacreditáveis. A gente chegava na pororoca e surrávamos no rio. Só ia manobrando nos pedais. Fazia parte do nosso treinamento. Era uma coisa corriqueira, e que hoje eu paro e vejo que era maravilhosa.
Notisul - Que outros tipos de máquinas o senhor pilotou?
Pozza - Em aviões, o Albatroz foi o que eu mais pilotei. Também pilotei o mesmo avião que bombardeou Hiroshima e Nagasaki, no Japão, durante a segunda guerra. Um B29. Voei quando cheguei na FAB, em 1966. Fiz um voo de São Paulo para o Rio de Janeiro. Na época, era uma coisa fantástica, majestosa. Eu queria tirar ele do chão, e parecia que ele não saía nunca. Quando voava, dava um alívio. Também pilotei muitos helicópteros. Em uma oportunidade, busquei um nos Estados Unidos, e voltei para o Brasil voando nele.
Notisul - Como foi a relação com os índios na Amazônia?
Pozza - A relação com os índios foi das mais fantásticas. Para ter noção, eu tenho uma história de amor com um menino, como se fosse meu filho. Lá, existe uma área chamada Uaupés, um destacamento que a Aeronáutica fundou. É nos confins do Rio Negro, em direção à Colômbia, quando o Rio Negro deixa de ser navegável por causa das cachoeiras. O nome Uaupés quer dizer cachoeiras na língua indígena. Depois, mudou de nome para São Gabriel das Cachoeiras. E ali tem coisas interessantíssimas. Quando eu fui pela primeira vez, esse indiozinho se agarrou na minha perna. E não queria mais sair. E eu gosto de criança, sempre gostei. Quando ele pegou na minha perna, eu coloquei no meu colo. E depois não tirava mais para nada. Tinha que levar para almoçar, dava banho, levava para dormir comigo. Lá, também tinha um colégio de freiras de caridade, que mantém 80 índias internas. Neste colégio, nós éramos tratados como deuses quando chegávamos. As melhores instalações eram para os aviadores. Tratavam a gente do melhor jeito. Essas índias, no fim do dia, andavam nuas, com a maior naturalidade. Iam para o banho diário com uma disciplina que as irmãs davam. Também tinha índias que ajudavam. Elas são educadas no colégio. Depois, fazem o segundo grau em Manaus ou Belém. E depois já fazem faculdade e voltam para Uaupés para continuar o trabalho com outras indiazinhas.
Notisul - Por que esse tratamento com os aviadores?
Pozza - Não sei. Talvez por instinto. Achavam uma coisa estranha, aquele pessoal que vinha do céu, de um avião. Eu tinha um relacionamento fantástico com os índios. Tinha que ver no Xingu, que é rodeada de tribo de índios. Era uma festa quando chegávamos.
Notisul - E o indiozinho?
Pozza - Fui para Uaupés umas 30 vezes, e ficava bastante tempo lá. Tínhamos que ir a uma cidadezinha na fronteira com a Colômbia, e sempre passávamos por Uaupés. Quando chegávamos, ele já estava me esperando. Eu também, louco para chegar e ver ele. Se ele estiver vivo, tem 40 anos. Depois de 78, eu perdi o contato com ele. Era uma loucura quando chegava. E, quando eu ia, chegava a entrar em convulsão de chorar de tristeza. Se pudesse trazer ele para criar, eu trazia. Tinha uma relação como se fosse um filho. Faz parte da história da minha vida.
Notisul - Como o senhor vê a Força Aérea hoje?
Pozza - Não só a força aérea, mas as forças armadas estão mal. Pegam só sucatas. O exército também está carente, de tanques, de armamento militar. Quando houve a redemocratização do país, os governantes do país não foram comprometidos com as forças armadas. Têm medo de reforçar as forças armadas, porque têm medo de serem depostos. O Fernando Henrique Cardoso foi exilado político. Depois entrou o Lula, ficou oito anos, e agora a Dilma. Nenhum fez nada. As forças armadas estão renegadas ao segundo plano. Os caras ganham muito mal. Estamos tendo um desmantelamento das forças armadas. E um sucateamento nos equipamentos.
Pozza por Pozza
Deus - Amparo de todas as pessoas.
Família - Sem ela, não somos ninguém.
Trabalho - É necessário.
Passado - Lembro com bastante saudade.
Presente - Espero o crescimento do nosso país.
Futuro - Quero escrever um livro.
“Eu tinha voltado de uma missão em Uaupés. Estava em Florianópolis e, por ter estado em missão por 30 dias, recebi a licença de visitar os meus pais em Tubarão. Minha esposa e o meu primeiro filho, com 2 anos, estavam comigo. Chovia muito em Tubarão, e tinha muita ansiedade por causa dos alagamentos.
Durante a noite, o sono não veio. Ficamos monitorando o nível da água, que subia e baixava. No sábado, a chuva não dava trégua. Eu estava em Tubarão, mas estava de licença, não era participante da operação. Outras pessoas estavam designadas. Mas, mesmo assim, eu ajudei muito naquela vez.
O primeiro tenente aviador Ademir Siqueira Viana, meu grande amigo, estava no primeiro helicóptero a chegar. Fomos colegas na academia. Ele viu todo o horror e chegou a escrever um artigo.
Eu pilotei quando a coisa já estava mais definida sobre resgate. Foi mais para atender as necessidades, como levar e buscar mantimentos, que estavam em Imbituba. Tinha um C47 lá. Estava todo mundo flagelado. Era um mar daqui a Torres. Chegou vários helicópteros da marinha. Um foi fazer um pouso e já caiu. E eu substituía pilotos ali. Fazia o que podia. Afinal, também estava flagelado. Mas não resgatei pessoas das casas. Eu vivi completamente aquela tragédia, tanto pelo ar quanto por terra".
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