Treinamento do Cigs realizado de madrugada assusta moradores de comunidade rural
Moradores relatam que ouviram próximo de suas casas estouro de granadas e disparo de balas de festim
ELAÍZE FARIAS
Balas de festim encontradas de manhã por moradores de Jatuarana, após o fim do treinamento (Euzivaldo Queiroz)
Um treinamento inesperado realizado na madrugada desta quarta-feira (26) na área do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs) com duração de pouco mais de duas horas surpreendeu e assustou moradores da comunidade rural Jatuarana, à margem do rio Amazonas, a 8 quilômetros de Manaus.
A moradora Maria José Amaral da Cunha conta que foram encontradas balas de festim a 50 metros de sua casa, próximo de um cemitério da comunidade. Ela disse que ouviu cinco estouros de bombas nas imediações de sua casa.
Maria José afirmou que nos 35 anos morando em Jatuarana, foi a primeira vez que nao houve comunicação aos moradores por parte do Cigs para a realização do treinamento.
Ela acredita que, por conta da situação de conflito fundiário que já se arrasta há vários anos entre os moradores e o Cigs, a estratégia de não avisar antecipadamente a ação foi uma espécie de “pressão psicológica” contra os ribeirinhos.
“Moro aqui há 35 anos. Meu marido nasceu e foi criado aqui. Quando eles fazem treinamento, nos avisam antes. Quando isso não acontece, a gente já sabe que vai acontecer porque a gente vê soldados circularem por aqui. Esta foi a primeira vez que aconteceu de madrugada e que não fomos comunicados. Desta vez eles chegaram silenciosamente”, disse ela.
Maria José afirmou que conseguiu olhar por uma fresta de sua janela e viu que muitos soldados utilizaram metralhadores e fuzis. “A gente ficou muito assustada com o forte estrondo. O chão tremia. Fiquei com medo da minha casa ser afetada”, afirmou.
Ela lembrou que o último treinamento promovido pelo Cigs aconteceu há dois meses, em uma área distante das casas dos moradores.
Jatuarana é uma das quatro comunidades na margem do rio Amazonas onde também são realizadas operações de treinamento do Cigs. O local é alvo de disputa entre moradores e militares desde o início dos anos 70, quando a área foi doada pelo governo do Estado ao Exército.
Moradores que vivem na área, contudo, alegam que possuem título de terra antes mesmo desta doação. O caso já foi abordado em várias audiências entre moradores e Cigs, com intermediação do Ministério Público Federal, mas até o momento ainda não recebeu uma solução definitiva.
Treinamento
Procurada pelo portal acrítica.com, a assessoria de imprensa disse que a ação desta madrugada consistiu na realização de duas categorias do curso de operações na selva que está andamento. Segundo a assessoria, a fase atual é de simulação de combate, quando são utilizadas munição de festim.
O comandante do Cigs, Coronel Edmundo Palaia Neto, confirmou a ação e disse que quando ela é realizada os moradores são avisados.
Questionado sobre a informação repassada por Maria José Amaral da Cunha de que desta vez não houve comunicado antecipado, o Coronel afirmou que iria se informar melhor para responder à reportagem.
Ele disse, contudo, que a ação aconteceu em uma “casa de um soldado”, uma espécie de base de Cigs.
“Eles fizeram uma patrulha na casa que pertence ao quartel. Uma casa onde mora um soldado que toma conta de Jatuarana. Foi dentro do meu quintal. Esses treinamentos ocorrem há 47 anos. Nunca ninguém reclamou. Mas vou verificar sobre a reclamação de que os moradores não foram avisados”, disse.
Conforme o Coronel Palaia Neto, embora a área ainda esteja em conflito entre o Cigs e os moradores, enquanto a situação não se resolver, ela pertence ao Exército.
Ele afirmou ainda que as munições utilizadas foram balas de festim e granadas de efeito moral que se dissolvem, faz um estrondo mas que não oferecem risco às pessoas.
A CRÍTICA