*Umberto R. Andrade
O tema educação voltou ao noticiário e parece novamente ter importância para o governo, motivado por problemas no Enem e pela troca de ministros, com vista à eleição de São Paulo. No governo anterior, o tema não era dos mais apreciados. Em outros tempos, serviu de vingança ou mesmo de indiferença, na expectativa de que a memória se apagasse, aliviando o desconforto de se conviver com erros e irresponsabilidades de governos passados.
Tomemos como exemplo a destruição do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o Iseb, e a posterior retaliação contra a Escola Superior de Guerra, a ESG. O Iseb foi criado em 1955, vinculado ao Ministério de Educação e Cultura, com liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra, destinado ao estudo e ao ensino das ciências sociais.
O Iseb funcionou como núcleo irradiador de idéias e tinha como objetivo principal discutir o desenvolvimentismo e validar a ação do Estado, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Foi extinto após o golpe militar de 1964, e muitos de seus integrantes foram exilados do Brasil.
Dentre os membros ilustres do Iseb estavam Miguel Reale e Sérgio Buarque de Hollanda. A maioria era formada por pensadores nacionalistas, influenciados pelas idéias da Cepal como Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Antonio Cândido, Cândido Mendes, Ignácio Rangel e Álvaro Vieira Pinto.
A ESG foi criada em 1948, ainda sob o impacto do último conflito mundial e da consequente Guerra Fria. O pressuposto principal para sua criação era o alinhamento inevitável do Brasil ao bloco ocidental.
Em 1951, com a fundação da Associação dos Diplomados da ESG, foi possível difundir o método de planejamento e os fundamentos doutrinários da ESG por todo o país. A sistemática de planejamento ensinada na Escola permitiu a formulação de políticas públicas em uma época em que o país registrava altos índices de desenvolvimento econômico.
Na década de 70, era comum o governo recrutar altos funcionários e dirigentes nos quadros da ESG. A partir da década de 80, mudou o cenário político, que culminou com a eleição de Tancredo Neves em 85 e a promulgação de uma nova constituição em 88. Com a redemocratização do país, observou-se uma mudança no sentimento oficial em relação à ESG e, gradualmente, a expressão segurança e defesa tornou-se imprópria aos ouvidos de alguns políticos e do governo.
A tentativa de se apagar da memória o período militar, como elemento desconfortável, produz sempre um manancial de justificativas para esquivar-se de responsabilidades. A indiferença é um dos instrumentos de vingança e retaliação, que pode ser evidenciada, por exemplo, nos recursos insuficientes destinados à manutenção das Forças Armadas e à pesquisa de ponta, voltada para a defesa.
A ESG, um dos centros geradores do pensamento estratégico nacional, foi deixada à própria sorte, sem ações efetivas que permitissem sua modernização e a renovação de seu corpo docente, constituído apenas por funcionários cedidos de outros órgãos.
A criação de uma extensão da ESG em Brasília, o Instituto Pandiá Calógeras, destinado ao treinamento de funcionários e quadros do governo na própria Capital, parece ser, à primeira vista, uma excelente iniciativa. O país precisa de mais escolas, de mais qualidade nas escolas e de quadros mais bem preparados. Mas o pretexto que efetivamente transfere a ESG para Brasília a enfraquece. O país não vive um tempo de se transferir escolas, mas sim o de construir escolas.
A ESG pode e deve ser deixada em seu local histórico, congregando, como sempre fez, civis e militares, revigorada nos moldes de um instituto universitário moderno e capaz de produzir conhecimento contemporâneo e de conferir títulos acadêmicos aos seus alunos.
Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas, em cooperação com a Adesg, conduziu um estudo que resultou em proposta de modificação do currículo da ESG, transformando-o em um curso de grande densidade, com concentração em áreas como Relações e Segurança Internacionais, Ciências Administrativas e Estratégia.
A finalidade da proposta foi oferecer um curso de pós-graduação para gestores de defesa, profissionais capazes de entender a imprevisibilidade que hoje caracteriza as relações internacionais, formular políticas, estratégias, planos, programas e orçamentos. Esta proposta bem que poderia ser considerada.
Uma iniciativa conciliadora seria vincular a atual Escola Superior de Guerra ao Ministério da Educação, criando-se um Instituto Nacional de Defesa com vocação para o ensino e a pesquisa, um centro de pensamento livre, que resgatasse os ideais de democracia do Iseb e da ESG.
A ordem mundial bipolar está definitivamente desfeita, enquanto o capitalismo de estado confunde os mais ortodoxos. O Brasil precisa agora de um centro de estudos que compreenda esta realidade e construa sua própria estratégia. Uma escola fundamentada no Iseb e na ESG seria capaz de pensar a Grande Estratégia Nacional, independente de governos e partidos políticos.
*General engenheiro militar da reserva, pesquisador associado do Centro de Estudos de Estratégias de Desenvolvimento da Uerj (Cedes).
Monitor Mercantil/montedo.com
Comento:
Só para lembrar, João Pedro Stédile, líder do MST, já proferiu palestra na ESG nestes novos (?) tempos.