Com a vitória da Dilma, e a quase certeza da volta de Lula,  estamos correndo o perigo de uma ditadura sindicalista? Os analistas  dizem que sim, mas sem usar essas palavras. ”Ditadura sindicalista” não é  bom, tem cheiro de mofo e, sobretudo, é RADICAL. Vamos trocar: usaremos  autoritarismo. “Sindicalista”, definitivamente, é para ser jogada fora,  e “ditadura” é uma palavra perigosa que deve ser evitada. Também não  devemos empregar “esquerdista”, pois incorre em riscos. O melhor é  “petista”, que é restrita e diminui a possibilidade de radicalização.  Ficaremos portanto com o “autoritarismo petista”. Esse comportamento de  evitar certas palavras, que foram muito empregadas no passado recente,  pode ser chamado de Síndrome do Golpe de Estado. Ele só se revela quando  o governo é de esquerda. É o trauma de 1964.
De qualquer forma, os formadores de opinião estão projetando um  cenário sombrio para a democracia no período Dilma-Lula. Analisam o  comportamento do Congresso com ampla maioria governista;  o Judiciário  com um número muito maior de ministros esquerdistas nos Tribunais  Superiores; a Imprensa com a liberdade ameaçada; alertam para  modificações na Constituição; chamam a nossa atenção para o risco de  estarmos caminhando na mesma direção de alguns países da América Latina;  estão certos quanto à  nomeação de milhares e milhares e milhares de  militantes para tornar a máquina governamental uma fortaleza imbatível. E  assim vamos tomando conhecimento da enorme lista de pesadelos que temos  pela frente. (A minha contribuição é a de que a Receita Federal vai  virar uma Gestapo). Mas esses analistas não escrevem nenhuma palavra a  respeito das Forças Armadas! Ficam aterrorizados com a hipótese de serem  acusados de golpistas. Novamente, e agora com muito mais importância:  trata-se da Síndrome do Golpe. Dessa maneira, a análise fica capenga.  Como se pode ignorar que houve uma intervenção militar em 1964  justamente por medo de uma violenta guinada para a esquerda? As  condições mudaram? Sim, e muito, mas é importante especular sobre o que  pensam as Forças Armadas.
Algumas perguntas devem ser feitas: Os militares, hoje, são  completamente diferentes daqueles que depuseram Jango? Vão apoiar tudo o  que o próximo governo fizer, desde que a Constituição não seja  desrespeitada? Vão permitir um governo de frequentes consultas  populares, como acontece em países de governos esquerdistas? Desde que  não aconteça quebra de hierarquia, como houve no passado, vão permanecer  nos quartéis, mesmo que os rumos do país se tornem cada vez mais  socializantes? Com maior apoio do governo ao terrorismo (Farc, Irã,  etc), eles continuarão “disciplinados”? (Precisamos projetar um cenário  em que esse apoio vá muito mais longe. Afinal, uma ex-terrorista  não-arrependida foi eleita, e a tentação é grande). De que maneira  explicar o murro que deram na mesa a respeito do Programa de Direitos  Humanos, quando se ameaçou quebrar a palavra empenhada da anistia para  os dois lados? Pode ser considerado indisciplina? (Não passou pela  cabeça de ninguém discutir esse aspecto). Como explicar o recuo  rapidíssimo do governo depois que os generais gritaram que NÃO  concordavam? (Lula chegou a dizer que não havia lido o documento, tal a  vontade de se justificar perante eles). O que os militares entendem por  “respeito à Constituição”? Até que ponto o rearmamento (necessário) que o  governo está promovendo conquistou as Forças Armadas? Até que ponto  oficiais das três armas podem ter sido convertidos ao petismo?
Queremos e precisamos ser informados a esse respeito, mas  infelizmente não está acontecendo. O assunto “militares”é tabu: nossos  analistas correm léguas para não tocar nele.
Nós não somos a Noruega. Temos que colocar as Forças Armadas em nosso  cenário. E o próprio presidente, sem querer, chamou a atenção para  isso. Poucos meses atrás, Lula disse : “Foi uma benção eu haver perdido a  eleição para o Collor. Se eu tivesse sido eleito, ou faria uma  revolução ou seria derrubado em seis meses”. Quem seriam os que o  derrubariam? O Congresso votando um impeachment, ou os militares? Os  dois em comum acordo? Não fomos nós que levantamos a questão, mas o  próprio Presidente da República. E, bem curioso: de que maneira Lula  “faria uma revolução”? Não foi perguntado!
Ninguém quer ser acusado de estar pregando um golpe de estado. É o  medo da patrulha petista, o medo da difamação e, sobretudo: estar  compulsoriamente no clube dos radicais, sendo censurado até pelos  amigos. Então vamos continuar fazendo análises excluindo os militares,  como se eles não existissem, não fossem responsáveis por várias  intervenções na vida política do país.
Como explicar uma oposição que não processou Lula no episódio do  mensalão? A alegação é que houve cuidado para “preservar as  instituições”. Como? Alguém de fato entendeu o que se passou? Sabemos  que seria um processo normal, respeitados os preceitos constitucionais.  Um pedido de impeachment por corrupção. Deveria ter sido encarado como  um dever da Oposição, e poderia ter sido aprovado, ou não. O que houve  para nem ter sido proposto? A Síndrome do Golpe.
A respeito da “virada”- que Serra ainda acha possivel – uma  articulista escreveu: “A oposição quer fazer em 40 dias o que não  conseguiu em 8 anos”. Parece um pouquinho arrogante que o sarcasmo sobre  a pouca coragem dos oposicionistas tenha vindo dos que nunca  conseguiram dizer uma palavra sobre o fator militar no episódio do  mensalão, e muito menos quando surgiu o problema no Programa de Direitos  Humanos. A imprensa apenas noticiou – muito diferente de analisar. A  síndrome do Golpe.
Instituto Millenium(Publicado em “Reflexões Radicais”)
 
 
 
