Lista de material inclui até papel higiênico; Ministério da Defesa diz que Força tem recursos para esse tipo de despesa
CARLA ROCHA
Imagem: EB |
Doeu no bolso dos recrutas a seleção deste ano para o serviço militar no Exército no Rio. Obrigados por lei a se alistar, os jovens que foram encaminhados para o Instituto Militar de Engenharia (IME), na Urca, muitos deles de famílias humildes, foram surpreendidos com um pedido inusitado. Além da obrigação do alistamento, eles teriam que atender a outra exigência: a compra de itens de uma listinha variada, de roupas para atividades físicas a material de consumo, incluindo até papel higiênico.
Oficialmente, o Ministério da Defesa diz que tais exigências não são cabíveis e que, somente este ano, o orçamento do Fundo do Serviço Militar dispõe de R$ 7,3 milhões. Além disso, há outros recursos do Exército destinados às atividades relacionadas ao alistamento obrigatório.
Lista inclui shorts, camisetas, tênis e talheres
Como a administração dos recursos é descentralizada, no IME — uma das mais conceituadas instituições de ensino do país — foi exigida dos candidatos a compra de shorts verdes ou pretos, camisetas brancas, tênis preto e meias, sunga e chinelos, além de pratos, talheres e copos descartáveis, sabonetes e papel higiênico. Normalmente, os jovens passam por exames médicos simples, em que apenas se despem para serem avaliados. Se passam dessa fase, é quase certo que serão incorporados ao Exército. Ou seja, no jargão militar, não deverão "sobrar".
As denúncias de cobrança indevida foram feitas nas imediações da Vila Militar, em Deodoro, pouco antes da cerimônia de ingresso do grupo nas Forças Armadas. Alguns contaram ter estranhado o pedido. Mas a maioria não quis se identificar, para não sofrer represálias dentro do quartel.
— Achei estranho, mas, como eles tinham pedido, fui comprar para não ter problemas. Comprei tudo. Como não especificaram quantos pratos e talheres precisavam, peguei uma quantidade de cada item para o meu filho levar. Inclusive papel higiênico — disse uma dona de casa que acompanhava o filho na cerimônia.
Em geral, os gastos dos parentes ficaram em torno de R$ 200 com as compras pedidas pelo Exército. Em nota, o Comando Militar do Leste (CML) — responsável pela região do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte — disse que os candidatos foram apenas orientados a levar vestimentas mais apropriadas à seleção, como calção e tênis. Depois, os aprovados no processo puderam levar para a Vila Militar talheres e alguns apetrechos opcionais e de uso individual, por uma questão de "logística" e "sem prejuízo dos materiais e equipamentos regularmente oferecidos pela Força". Não é o que dizem os parentes dos recrutas, que mostraram a detalhada lista passada pelo Exército.
O CML destaca ainda, em nota, que o IME só entrega o "enxoval" — constituído de uniformes e demais peças necessárias à permanência do recruta na instituição — aos conscritos (candidatos ao alistamento) que forem efetivamente incorporados ao Exército. Quando são dispensados por excesso de contingente, eles recebem um certificado e ficam quites com o serviço militar.
"Dessa forma, no decorrer da efetiva prestação do serviço militar inicial, nada é exigido do novo soldado que não seja oferecido gratuitamente pela instituição. Cabe ressaltar que a maioria desses conscritos é voluntária a servir no IME, inclusive por ser uma oportunidade única de participar da rotina de uma escola de grande conceito no mundo acadêmico. Além disso, os referidos soldados recebem um soldo mensal, que auxilia, inclusive, no sustento de suas respectivas famílias", completa a nota do CML.
Apesar das explicações do Exército, é possível que, entre os candidatos que tiveram que pagar pelo material, haja jovens que não foram selecionados e, portanto, terão desperdiçado recursos que não serão restituídos. Além disso, o Fundo do Serviço Militar foi criado para financiar esse tipo de atividade, contando com verba do Exército e dinheiro oriundo do pagamento de uma taxa de R$ 1,38, cobrada do próprio jovem no momento do alistamento, e de multa de igual valor, exigida quando ele, por algum motivo, perde o prazo. Este ano, cerca de 1,6 milhão de jovens fizeram o alistamento obrigatório, muitos sobraram e cerca de 600 mil participaram de fato do processo de seleção. Desse total, apenas 90 mil vão servir às Forças Armadas em 2012.
O Globo/montedo.com