Para formar campeões em matemática, major investe em treinamento intenso
Prestes a se aposentar, professor do Colégio Militar de Salvador planeja preparar alunos da rede pública do interior fluminense para competições escolares
João Paulo Gondim
Major José Luiz dos Santos (centro) forma medalhistas como Giovanni e Mendonça (João Paulo Gondim) |
Assim como os números são infinitos, é inesgotável a disposição do professor e major do Exército José Luiz dos Santos, 46, para preparar medalhistas em competições de matemática. Estimulando a repetição incansável de exercícios, o mestre é o principal responsável pela conquista de sete medalhas de ouro, nove de prata, 11 de bronze e 13 menções honrosas na edição de 2011 da Olimpíada Brasileira de Matemática para Escolas Públicas (Obmep) pelo Colégio Militar de Salvador (CMS). O resultado não surpreende, uma vez que desde que a Obmep surgiu, em 2005, alunos do mesmo colégio já ganharam 61 ouros, 50 pratas, 48 bronzes e 96 menções honrosas.
Tamanho êxito rende, anualmente, um prêmio especial ao professor na olimpíada. Para atingir esses resultados, José Luiz investe na formação em ritmo intenso de campeões olímpicos. Três vezes por semana – terça, quarta e quinta –, das 13h30 às 15h30, o major prepara alunos para as provas.
"Isso é uma coisa fundamental: treinamento constante. Você tem que trabalhar com material de anos anteriores, resolver problemas. A Obmep fornece banco de questões e a gente repassa para os alunos. Você nunca pode achar que 'ah, nós chegamos ao máximo'. A gente tem que estar sempre estimulando os alunos. E treinamento pesado", explica José Luiz.
O estudante do primeiro ano do ensino médio Alexandre Mendonça Cardoso é um dos destaques entre os pupilos do mestre. Em casa, guarda 14 medalhas entre as da Obmep, Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) e competições regionais. "Participar dessas olimpíadas trouxe, para mim, mais ainda o gosto pela matemática. Isso é extremamente importante", diz o estudante.
Também habitual participante de olimpíadas, o aluno do último do ensino fundamental Giovanni Nogueira Calfa faturou ouro na última Obmep. "Eu sempre gostei de Matemática. Eu faço essas competições porque sou interessado na matéria", declarou o aluno.
José Luiz não está sozinho no trabalho de preparação de alunos. Desde 2004, quando chegou ao Colégio Militar de Salvador, o capitão Cléber Francisco Assis, 34, o auxilia na missão. Até então, o professor Assis nada sabia sobre esse tipo de torneio. "Eu já era professor de matemática, mas não conhecia a olimpíada". Hoje, está incumbido de ministrar as aulas, também vespertinas, para um grupo do sétimo ano, às quintas-feiras.
Da mesma forma que o capitão Assis, ninguém do CMS tinha ouvido falar em competições de matemática até José Luiz lá aportar. Em 1996, ainda tenente, ele apresentou o seu projeto de preparação para a OBM – cuja criação data de 1979 – ao coronel Meireles, então chefe da subseção de matemática da escola. O saldo da conversa com o coronel foi positivo: "Desde o início tive total apoio", afirmou José Luiz.
Excelência e carreira militar
A matemática e a experiência militar estiveram presentes na formação de José Luiz desde cedo. Criado em uma vila militar de Realengo, zona oeste do Rio, cidade onde nasceu, tomou gosto pela matéria ainda na escola. Após se formar na faculdade de matemática, em 1990, passou a lecionar no colégio Brigadeiro Newton Braga, também no Rio e mantido pelo comando da Aeronáutica. Embora fosse federal, a qualidade do ensino desse colégio não se igualava a do sistema Colégio Militar, da mesma rede.
Em 1994, prestou concurso para a antiga Escola de Administração do Exército (Esaex), em Salvador. Havia oito vagas para professor militar de matemática. Apenas ele e mais dois passaram para fazer o curso de formação de oficiais no ano seguinte.
"Juntou a questão da já conhecida excelência na área de ensino dos colégios militares ao fato de me tornar militar. Essas coisas me atraíram para que eu viesse para cá", lembra.
Lecionando em uma escola cuja maior parte dos alunos ingressa também por concurso, o professor sentiu-se realizado. "Aqui eu consegui colocar em prática o sonho de fazer uma preparação alto nível dos alunos. Eu encontrei um ambiente muito propício à preparação para a olimpíada de matemática. No CMS, estudar é visto como o correto, é a regra. Então o clima é de estímulo ao estudo. É um ambiente ótimo para trabalhar", ressaltou o major.
Ainda em 1996, o professor recrutou os primeiros pupilos. Sobre José Luiz, a quem qualifica como "amigo e mentor", Eduardo Famini Silva, formado no Instituto Militar de Engenharia (IME), só tem elogios. "Excelente conselheiro, sempre procurou nos ouvir, dar dicas. Também lutou muito para criar a cultura da olimpíada, tanto criando aulas de preparação, quanto se envolvendo na organização da Olimpíada dos Colégios Militares. Dentro de sala, a paciência nas explicações, o senso de humor no momento e dose certos são a principal característica", afirmou o ex-aluno Famini.
Exponencialmente, foi crescendo o número de "atletas olímpicos" no CMS. O major estipula em cerca de 200 pessoas preparadas por suas mãos. De 1996 para cá, foram 12 ouros, 19 pratas, 24 bronzes e 50 menções honrosas na OBM. E o sucesso dos estudantes nas competições de matemática estimulou a prática no colégio em outras áreas. Ganhar medalhas em olimpíadas de física e química tornou-se comum no CMS. Até finalista do programa "Soletrando", da Rede Globo, o colégio teve. No último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a escola obteve a média 7,2 para os anos finais do ensino fundamental – a melhor do Estado e a sexta do País.
Para o professor, as precursoras olimpíadas de matemática, principalmente a Obmep, são "um programa de inclusão social top de linha no Brasil". Na sua avaliação, é o espaço que o estudante com potencial acima da média e que na sala de aula não atinge plenamente a sua capacidade tem para deslanchar.
Ele lembra que os alunos que se destacam têm a oportunidade de participar de programa de iniciação científica em universidades como a Federal da Bahia (Ufba) e, mais recentemente, do Polo Olímpico de Treinamento (POT). Na sua avaliação, as olimpíadas acadêmicas prestam um serviço ao país. "O Brasil, do jeito que tem crescido economicamente, tem falta de mão de obra especializada. E esse programa tem incentivado e dado condições em uma base para o aluno na matemática para que ele possa seguir nessa área científico-tecnológica".
João Paulo Gondim
Alunos do Colégio Militar de Salvador exibem suas medalhas de ouro em matemática
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Aposentadoria
Além da dedicação às olimpíadas e a um mestrado, o professor dá aulas para as oitava e nona séries, coordena e a subchefia de matemática do colégio. No entanto, esses são os derradeiros passos de José Luiz pelo CMS. Prestes a se aposentar – este é o seu último ano no Exército –, o major já sabe o que fazer a partir de janeiro. A primeira providência é passar de vez o bastão para o capitão Assis. Será ele o seu sucessor no comando dos treinamentos para as próximas olimpíadas. Precavido, o capitão já procura outros colaboradores. "Vamos ver se no ano que vem a gente faz esse trabalho com pelo menos metade dos professores, em todas as séries", planeja o oficial. De acordo com o capitão, com as habituais saídas de docentes do colégio, por transferência ou aposentadoria, o plano é descentralizar o projeto, ampliando o número de professores envolvidos.
Porém a cartada maior de José Luiz será no interior do Estado do Rio, mais precisamente em Duas Barras, cidade com cerca de 11 mil habitantes, incluindo os seus pais, cuja notoriedade é ser a terra natal de Martinho da Vila.
"A minha ideia é, com estudantes de escola pública, transformar aquela região em um polo de alunos campeões de matemática", afirmou. O professor quer apresentar aos bibarrenses o universo das olimpíadas e, assim, todas as suas possibilidades de ascensão que os jovens soteropolitanos já desfrutam, colocando novamente em prática a crença da olimpíada de matemática como inclusão social.
José Luiz tem experiência em ensinar alunos de colégios mais carentes. Há oito anos, ele e a professora Luzinalva Miranda de Amorim, a responsável pelo programa de iniciação científica da Ufba, preparavam 500 estudantes da redes municipal para torneios de matemática. As aulas eram aos sábados e domingos, na universidade. Tal programa recebeu a visita dos responsáveis pela Obmep quando o torneio ainda não havia sido criado. "Eu trabalho com olimpíadas para estudantes de escolas públicas desde antes da Obmep", disse.
E é deste modo, depois de 30 anos no magistério, que o major José Luiz quer passar a sua aposentadoria: trabalhando. Da mesma maneira que tornou o CMS uma potência olímpica da matemática, quer fazer de Duas Barras o novo centro formador de medalhistas. O professor segue à risca o fundamento que rege a disciplina que leciona e é a sua paixão: trabalhar limites.
iG/montedo.com